MORTE DE JOVEM HAITIANO GERA NOVOS PROTESTOS CONTRA A MINUSTAH



Brasil De Fato - [Thalles Gomes]

Gerald Jean Gilles, de 16 anos, morreu enforcado na Base Formed Police Units (FPU), pertencente à MINUSTAH – Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti.
“Estão me sufocando” foi o grito escutado pelos funcionários do hotel Henri Christophe no dia 17 de Agosto de 2010, na cidade de Cap-Haitien, capital do departamento Norte do Haiti. O pedido de socorro veio da Base Formed Police Units (FPU), pertencente à MINUSTAH – Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti. Neste mesmo dia, os soldados nepaleses da ONU informaram que o haitiano Gerald Jean Gilles havia invadido a sua base militar e se enforcado. Gerald tinha 16 anos de idade.
A nota divulgada pela ONU não explica como o jovem Gerald conseguiu invadir a base militar, amarrar uma corda no pátio e se enforcar sem que nenhum soldado tomasse conhecimento.
Esta versão é contestada com veemência por parentes e amigos de Gerald. De acordo com eles, o jovem prestava serviços informais aos soldados do Nepal há algum tempo, em troca de dinheiro ou comida. A suspeita de que Gerald havia roubado 200 dólares de um dos soldados foi a razão para que os militares nepaleses o torturassem e sufocassem até a morte.
De fato, a verdade sobre a real causa da morte de Gerald Jean Gilles continua indefinida. Isso porque a MINUSTAH só liberou o corpo do jovem para autópsia passadas mais de 72 horas de seu falecimento, o que pode ter alterado os resultados apresentados pela perícia forense. O suicídio por enforcamento, entretanto, está descartado, uma vez que nenhuma vértebra cervical da vítima foi danificada.
Esta não é a primeira vez que as tropas nepalesas da ONU são acusadas de desvios e abusos de autoridade. Alguns dias antes do falecimento de Gerald, a imprensa local noticiou a denúncia de que um soldado nepalês havia detido e torturado um menor em plena praça pública de Cap-Haitien, chegando a “meter as mãos na boca do jovem no intuito de separar a mandíbula inferior da mandíbula superior, ao ponto dilacerar a pele de sua boca". Em 2008, o estupro de uma adolescente haitiana por parte de soldados da unidade nepalesa ganhou repercussão internacional. A ONU afirmou à época que puniria e afastaria os culpados, após investigação interna.
Abusos e ações controversas não são de exclusividade dos nepaleses. Na noite de 24 de maio de 2010, sob o pretexto de que uma pedra havia sido lançada contra um dos veículos da MINUSTAH, soldados brasileiros invadiram as instalações da Universidade Estatal do Haiti. Utilizando cassetetes e bombas de gás lacrimogêneo, a tropa brasileira sequestrou livros, cadernos e laptops de vários estudantes, além de prender o universitário Mathieu Frantz Junior. As bombas de gás lacrimogêneo utilizadas pela MINUSTAH atingiram inclusive as vítimas do terremoto que viviam em acampamentos improvisados nas proximidades da Universidade. O próprio Representante Especial da Secretaria Geral da MINUSTAH, Edmond Mulet, classificou a ação dos soldados brasileiros como “hostil” e se desculpou publicamente em pronunciamento oficial.
Essa reiterada “hostilidade” vem gerando diversos protestos e manifestações contra as tropas de ocupação da ONU. As ruas de Cap-Haitien foram tomadas nas últimas semanas por marchas e atos públicos, com participação de movimentos urbanos e camponesas, que exigem a punição dos soldados nepaleses pelo assassinato de Gerald Jean Gilles. Enquanto isso, estudantes da Universidade Estatal do Haiti tomaram as ruas de Porto Príncipe no último dia quatro de setembro para cobrar providências contra as ações arbitrárias e violentas dos soldados brasileiro, que até agora não foram punidos.
Crise de Legitimidade
Instalada em 2004, após a invasão militar estadunidense que tirou do poder o então presidente Jean Bertrand Aristide, a MINUSTAH passa atualmente por uma de suas maiores crises de legitimidade em terras haitianas. O objetivo inicial da Missão, estabilização do país, já não encontra justificativa plausível, visto que os atuais índices de violência no país estão abaixo de países mais desenvolvidos, como Brasil ou África do Sul. Enquanto o Brasil, país cujo exército coordena as tropas da MINUSTAH possui em seu próprio território uma média de 57 homicídios por 10 mil habitantes e o país sede da última copa do mundo possui 250 homicídios por 10 mil habitantes, no Haiti esse número se resume a apenas 15 homicídios para cada 10 mil habitantes.
Além disso, passados oito meses desde o terremoto que abalou o país, em 12 de Janeiro de 2010, as tropas da ONU ainda não foram capazes de dar uma resposta eficaz às vitimas do terremoto. Entulhos e acampamentos improvisados ainda tomam as ruas da capital Porto Príncipe, mas não se vê nenhuma movimentação por parte das tropas militares para a retirada dos escombros e início da reconstrução de prédios e edifícios. E não se pode culpar a falta de verbas ou recursos humanos, já que depois do terremoto houve o incremento de 3.500 pessoas no corpo da MINUSTAH, com orçamento reforçado em 126 milhões de dólares anuais somente em soldos. Não custa lembrar que um soldado designado para serviços militares no Haiti recebe por mês cerca de 3 mil dólares, o equivalente a 4 anos de trabalho de um haitiano que vive com um salário mínimo.
É diante desse panorama que diversos setores da população haitiana questionam a real utilidade da permanência das tropas de ocupação da ONU no país. “Se a MINUSTAH estivesse cumprindo sua missão de promover a estabilização do país e acompanhar projetos de desenvolvimento, como então ela não sabia que havia este risco de terremoto no país? Devia saber que havia esse risco e propor um conjunto de medidas e soluções para enfrentá-lo. A MINUSTAH deveria ao menos socorrer a população. Mas nem isso pôde fazer: socorrer as pessoas e organizar a alimentação”, denuncia Gerald Mathurin, coordenador do KROS (Kòdinasyon Rejyonal Òganizasyon Sidès) e integrante da Via Campesina Haiti. “A questão militar acompanha sempre as intenções das potências internacionais quando necessitam fazer algo no país. Os militares que
vieram antes, e os que vêm agora, têm sempre a mesma missão, têm sempre o mesmo objetivo, que é aplicar o projeto do imperialismo”, conclui Mathurin.
No bojo dessas denúncias, os movimentos sociais do Haiti e da América Latina prometem realizar atos públicos por todo o continente em defesa da soberania nacional e da liberdade do Haiti no próximo dia 15 de Outubro. É que nesta mesma data o Conselho de Segurança da ONU se reunirá em Nova Iorque para definir sobre a renovação ou não do mandato da MINUSTAH por mais um ano. Será a oportunidade ideal para a comunidade internacional avaliar se a sua tão propagada solidariedade com o povo haitiano necessita realmente de soldados, armas e tanques de guerra para se efetivar.

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