AS RAÍZES DA VIOLÊNCIA LATIFUNDIÁRIA

O artigo postado abaixo foi publicado na Revista PUCVIVA, 2005. Apesar do tempo, infelizmente não perdeu a sua atualidade. Parece-me uma boa análise da questão agrária no Pará, cuja governadora, Ana Carepa, do PT, revela um ódio mortal ao movimento camponês, mantendo uma política agrária de proteção e defesa intransigente dos bandidos rurais, dos latifundiários, dos contrabandistas, das ongs criminosas, das madeireiras e de todas as empresas que devastam e saqueiam o Pará.
As raízes da violência latifundiária


Erson Martins de Oliveira*

No Pará, 1% dos proprietários possui mais da metade de todo o Estado.

O assassinato da missionária Dorothy Stang e de líderes camponeses, no Pará, trouxe à tona a luta de classe no campo, o problema da terra e a violência reacionária da burguesia. Não se trata de um fenômeno novo. A história do Brasil está marcada pelo choque entre latifundiários e a maioria pobre do campo; pela violenta repressão desfechada pelos grandes proprietários rurais e pelo governo contra os camponeses, expulsos de suas terras; pela grilagem e pela exploração predatória de reservas florestais e minerais, realizadas por grandes empresas e fazendeiros.

Em todas as regiões do país, os sem-terra estão obrigados a enfrentar cotidianamente o poder latifundiário, que reúne capangas, milícias armadas e um arsenal militar. Para se manter no campo e reivindicar o direito à terra por meio da reforma agrária, os camponeses têm de se confrontar com a violenta reação da oligarquia agrária e com o Estado.

No período da colonização, que distribuiu terras (sesmarias) aos que tinham recursos para comprar escravos e produzir de acordo com os interesses do capital mercantilista, massacres indígenas, repressão aos escravos rebelados e expulsão de colonos de pequenas propriedades foram constantes.

A Lei da Terra (1850) imposta pelo governo imperial legitimou a posse dos latifúndios para uma reduzida camada de proprietários de terras, reforçando a expulsão de camponeses. Com a ditadura militar, o Estatuto da Terra (1964) pretendia trocar a palavra latifúndio por empresa agrícola como forma de acobertar as enormes extensões de terras nas mãos de minoria de proprietários e conter a luta no campo desfechada pelas Ligas Camponesas. No governo de José Sarney houve a tentativa de retomar o Estatuto da ditadura militar por meio do 1º Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA). Todos esses mecanismos serviram para combater a reivindicação dos camponeses de reforma agrária e reafirmar o poder da burguesia agrária.

Com a ascensão do PT ao poder do Estado, com a promessa de realizar a reforma agrária, o governo Lula determinou o 2º PNRA, estabelecendo metas de assentamento de sem-terra e mantendo a legislação pró-latifundiária dos governos anteriores. A pressão dos grandes proprietários rurais e das empresas (agronegócios) impedem que Lula dê um passo em favor da reforma agrária. As promessas de assentamentos não são cumpridas e a repressão e chacina de camponeses ampliaram-se violentamente. O camponês sem-terra não tem outro recurso senão usar os métodos próprios do proletariado, a ocupação de terras.

Os acontecimentos recentes no Pará, que levaram à morte de Dorothy Stang e de outros sindicalistas, expressam a explosão social no campo e a necessidade da unidade entre camponeses e proletariado (aliança operária camponesa) para pôr em marcha a luta pela expropriação do latifúndio, pelo fim da grilagem de terras e pela eliminação da devastação das reservas naturais, pela punição dos assassinos e pela erradicação de toda legislação que favoreceu a concentração de terras e o poder da burguesia fundiária.

Particularidades econômicas e sociais do Pará

O Pará, o segundo maior Estado do Brasil, é uma das regiões em que mais se manifesta o choque entre uma ultraminoria de latifundiários e a grande maioria de trabalhadores agrários sem-terra e posseiros. Na sua origem, fez parte da capitania do Grão-Pará e Maranhão, de onde provinha a extração da madeira, resinas e ervas por meio do trabalho escravo indígena, que serviam aos interesses dos colonizadores portugueses. Por meio da Companhia de Comércio do Maranhão, na qual fazia parte o capital metropolitano, a capitania produziu algodão e cacau usando a força de trabalho dos escravos negros, traficados pela Companhia. O Pará se destacou nos movimentos pela independência enfrentando as tropas portuguesas e, na fase do império, viveu a revolta Cabanagem entre índios, negros e população pobre contra o governo. O movimento dos cabanos conseguiu a autonomia da província do Pará, mas foi brutalmente reprimido.

A miséria do povo, que inclui as áreas indígenas e os remanescentes dos quilombos, fez desse Estado uma região de permanentes conflitos. Na época da ditadura militar, por meio da Sudam (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia), os governos favoreceram as grandes empresas com vistas à agropecuária e à extração de madeira e minérios. Isso fez crescer os conflitos entre camponeses e proprietários e aumentar a grilagem da terra. Com o garimpo da Serra Pelada, o Estado foi atraído por cerca de 100 mil migrantes, que viam a possibilidade de emprego e de melhoria de vida. Mas o garimpo se esgotou rapidamente, deixando mais fome para a população oprimida e a extração do minério para as mãos da Companhia do Vale do Rio Doce. É preciso lembrar, também, o massacres dos trabalhadores de Serra Pelada.

O fato é que tem aumentado a concentração de terra, a ponto de 1% dos latifundiários possuir mais da metade de todo o Estado. A pecuária e a exploração da madeira têm devastado o Pará. Os madeireiros exploram áreas de floresta ao longo da rodovia Cuiabá-Santarém e as áreas de conservação (reservas indígenas) ou de assentamentos de camponeses. Só ao longo dessa rodovia existem mais de 300 madeireiras. Boa parte não acata a legislação, não tem registro, não paga impostos, usa trabalho semi-escravo, e escravo, e sequer utiliza os mecanismos de “manejo florestal”, concedidos pelo Ibama. Há uma constatação feita pelo conselho Mundial de Manejo Florestal que diz que 42% da extração da madeira é clandestina e que esse setor movimenta 2,5 bilhões de dólares anualmente na região Amazônica. Há um consórcio entre empresas nacionais e estrangeiras. Para a devastação e ataque a camponeses e indígenas tem sido fundamental a intervenção do capital externo. Existem milhões de hectares de floresta na Terra do Meio (sul do Pará) devastados. Dados mostram que duas mil e quinhentas árvores são cortadas por mês.

Madeireiros, pecuaristas e agronegócio ocupam terras públicas e forjam documentos para ter a posse da terra. Para isso, contam com organismos do Estado (cartórios), com uma rede de comparsas que auxiliam na concessão de títulos de posse e com a ajuda de políticos. À população pobre local, migrantes e indígenas são impostas as leis dos quadrilheiros de terra.

Governo Lula diante das denúncias de grilagem e devastação da floresta

O governo do PT, logo após o assassinato da religiosa norte-americana Dorothy, criou um pacote de medidas com o objetivo de conter a repercussão do fato no exterior e de amenizar o conflito na região em função da grilagem e da destruição da floresta amazônica. As medidas são: 1) Criação da reserva extrativista do Riozinho da Liberdade entre o Acre e o Amazonas; 2) Criação da Floresta Nacional da Balata-Tufari, no Amazonas, e do Anauá, em Roraima; 3) Criação da Estação Ecológica da Terra do Meio, no Pará; 4) Criação do Parque Nacional da Serra do Pardo, no Pará; 5) Criação de um gabinete executivo provisório que auxiliará as ações do governo do Pará. Juntamente com essas medidas, o governo enviou um batalhão militar para prender os criminosos.

Esse conjunto de medidas, tomadas no calor da repercussão do assassinato, quer demonstrar que o governo não é omisso e que pode aplicar a lei, punindo os criminosos e impondo a legislação sobre as terras e floresta. Portanto, barrar a campanha dos meios de comunicação de que a região é “terra de ninguém”. A criação da Estação Ecológica da Terra do Meio visa a colocar essa região conflituosa sob o comando do Estado. Mas o problema não se resume à fiscalização estatal. O fato é que o governo não expropriou os fazendeiros, que se apossaram de terras públicas, e as centenas de madeireiras que agem a despeito do Estado. Os grileiros e madeireiros esperam que, em pouco tempo, os protestos dos camponeses contra os assassinatos diminuam para darem continuidade à valiosa extração da madeira e à posse de terras públicas. E o governo retorne à omissão.

A impotência do governo PT/Lula está em que não toca na essência do problema fundiário e das reservas naturais. O que implicaria enfrentar o poder latifundiário, que conta com a Justiça, polícia, com milícias próprias, com matadores profissionais e com a rede do tráfico de drogas.

Na região Norte, da qual faz parte o Pará, a regulamentação do uso das terras, das florestas e das riquezas minerais é um problema constante. Os governos do Pará, de diferentes matizes, não podem eliminar a grilagem, não impedem as madeireiras das ações ilegais, não conseguem pôr fim à corrupção em torno da concessão de documentos de posse, não têm poder para combater o tráfico de drogas e não punem os verdadeiros assassinos de camponeses. Não podem atender à reivindicação dos camponeses de reforma agrária, e sequer ter um plano mais amplo de assentamentos de sem-terra. É preciso denunciar o fato de o PSDB vir governando o Pará nos últimos anos. E também o PT ter crescido sua influência política na região, a ponto de dirigir a prefeitura da capital.

As denúncias dos crimes da burguesia contra os camponeses, entre eles os do Pará, são isoladas e reduzidas a este ou aquele burguês. Evita-se que a população trabalhadora compreenda que se trata de crimes da classe capitalista contra a classe camponesa. Lula/PT e Simão Jatene (PSDB- Pará), embora expressem diferenças políticas de como conduzir o Estado, têm em comum o fato de serem administradores dos negócios da burguesia e, por isso, não têm força para combater a fração burguesa latifundiária, que está penetrada no Estado. O máximo que podem fazer é denunciar um ou outro grileiro ou madeireiro e punir com a prisão seus matadores profissionais. Isso porque a missionária fazia um trabalho apoiada na ação do governo federal, era um membro da Comissão Pastoral da Terra e tinha reconhecimento de organismos internacionais. Uma quantidade enorme de assassinos de líderes sindicais e camponeses continua impune.

Essa é a demonstração de que somente o proletariado em aliança com o campesinato poderá combater os crimes da burguesia e resolver o problema da terra e da extração de riquezas naturais. A questão fundiária, que arrasta séculos de nossa história, só poderá ser solucionada se se estiver sob o programa da revolução proletária.

Os assassinatos e chacinas

A violenta apropriação de terras do Estado por parte dos latifundiários e a extração da madeira fizeram do Pará uma região de assassinatos e chacinas de camponeses, sindicalistas e membros da Pastoral da Terra. Dados da CPI da Terra, engavetados no Congresso Nacional, indicam que entre 1964 e 2004 foram exterminadas 751 pessoas. De 1984 a 2004, 20 sindicalistas perderam a vida. No período de 1985 a 2001, ocorrem massacres de 96 trabalhadores rurais. Em abril de 1996, no município de Eldorado dos Carajás ocorreu a chacina de 19 integrantes do MST. No governo Lula, de 2003 a 2004, dos 58 assassinatos no campo, 23 foram no Pará. Chama atenção ainda a enorme lista, que inclui sem-terra e lideranças sindicais e religiosas, num total de 65, dos marcados para morrer.

Sabemos que esses dados não revelam toda a violência praticada pelos capitalistas do campo paraense. Há denúncias de trabalhadores assassinados e enterrados em cemitérios clandestinos, sepultados como indigentes ou queimados para não deixar rastro. A tendência é aumentar o número de mortes. O exemplo dos 24 assassinatos em Parauapebas, em menos de dois meses, atesta a violência reacionária dos grandes proprietários para eliminar a resistência dos oprimidos. Logo após o assassinato de Dorothy, foi morto o sindicalista Soares da Costa, presidente do sindicato rural de Parauapebas. No mesmo dia, também foi morto o agricultor Cláudio Dantas Muniz, em Anapu.

O fato é que há total impunidade. Os criminosos da chacina de Eldorado dos Carajás continuam soltos. A prisão dos cabos e soldados, executores dos sem-terra, está sendo contestada na Justiça. Fazendeiros que são identificados e julgados, permanecem soltos, como é o caso de Vantuir de Paula condenado a 19 anos por ter exterminado o sindicalista João Canuto de Oliveira, no sul do Pará. Além de continuar solto, ainda é um dos indicados pelo prefeito do município para ocupar o cargo de Secretário de Obras. Há também o caso do fazendeiro Manoel Cardoso (Nelito) que foi considerado foragido depois de ter assassinado Gabriel Sales. Em Rondon do Pará, o fazendeiro Décio Barroso é o mandante do crime contra José Dutra da Costa, ocorrido em 2001, até hoje sem julgamento. Em Parauabepas, 12 fazendeiros foram acusados de serem os mentores da morte de Onalício Araújo, mas continuam ilesos. Esses exemplos atestam que as leis, feitas pela própria burguesia, não é aplicável a si mesma. O que evidencia que o Estado, suas leis e a Justiça nada mais são do que a ditadura de classe da minoria sobre a maioria oprimida.

A Justiça é braço do Estado e este é sustentado pela classe capitalista e seus partidos. Portanto, não tem como julgar e punir seus próprios membros. Está aí por que a punição dos burgueses e sua rede de serviçais só pode se dar pelas mãos da maioria oprimida. A defesa dos Tribunais Populares é a forma de investigar e punir os assassinos de trabalhadores. Isso porque coloca nas mãos dos explorados a justiça.

A violência do capital

No Pará, formou-se uma rede de pistoleiros e capangas que são pagos para perseguir, ameaçar e assassinar os que resistem às ordens e às leis ditadas pelos fazendeiros, grileiros e madeireiros. O valor do crime depende da posição que ocupa a vítima. Ou seja, a morte de um sindicalista pode custar R$2.000,00 e a de uma missionária como Dorothy até R$50.000,00. Os executores recebem o “serviço” de um “capataz” e, na maioria das vezes, nem conhecem os mandantes. O contrato implica o valor e, em casos de prisão, as promessas de que os advogados cuidarão da soltura. A proteção da Justiça, comprada pelos latifundiários, é parte dos negócios da capangagem.

Parauapebas, Rondon do Pará, Marabá, Rio Maria, Eldorado dos Carajás, Conceição do Araguaia, Novo Progresso e Anapu são algumas das cidades paraense onde os matadores circulam à luz do dia. A população os conhece pelos crimes cometidos e sabe para quem prestam serviços. A morte da religiosa Dorothy já havia sido anunciada, e mesmo recorrendo às autoridades governamentais para denunciar as ameaças, não foi poupada pelos jagunços do grileiro Vitalmiro Bastos de Moura, que, por sua vez, estava pondo em prática a decisão de um coletivo de fazendeiros e madeireiros da região.

O sistema capitalista, além de explorar a maioria trabalhadora, chega ao ponto de mutilar físico-mentalmente uma parcela dos oprimidos, usando-a como executores de seus crimes de classe. Os jagunços, capatazes, matadores profissionais e grupos paramilitares são formados por elementos das camadas pobres e expressam a decomposição da sociedade capitalista. São contratados por migalhas para fazerem o serviço que a burguesia não quer fazer com suas próprias mãos.

Fracassa a promessa de milhares de assentamentos

O governo do PT/Lula prometeu ao MST assentar 400 mil camponeses sem-terra. Em 2003, prometeu assentar 60 mil famílias, mas só fez 36.308 assentamentos. De janeiro a dezembro de 2004, a meta era 115 mil, mas alcançou 81.254 famílias. Esses números são contestados pelo movimento camponês, que diz que os assentamentos não passam de 40 mil. As dificuldades para o cumprimento da promessa são muitas, vão da compra das terras à burocracia da desapropriação legal. Ainda se o proprietário contestar na Justiça, o processo se arrasta por muito tempo. A política de assentamento requer a compra da terra, que é superfaturada, paga com Títulos da Dívida Agrária e as benfeitorias com dinheiro à vista. Só em 2004, o governo usou 1 bilhão de reais para a aquisição de terras. Isso para assentar 40 mil famílias em lotes comprados dos fazendeiros/especuladores. Por outro lado, o governo só assenta os sem-terra por pressão do movimento social.

A política de assentamento, que vem de governos anteriores, principalmente de FHC, é chamada indevidamente de reforma agrária. Não há uma ampla distribuição de terras, que as coloquem sob o controle da maioria da população do campo em detrimento do poder latifundiário.

A demora no cumprimento dos assentamentos obriga o MST a ocupar terras. O “Abril vermelho” resultou num grande número de ocupações, que visavam apressar os assentamentos. Nesse dois anos de governo Lula, o movimento sem-terra ocupou 538 fazendas, recuando em cada situação de intervenção do Estado em favor dos proprietários, não obtendo assim a reivindicação de desapropriação/assentamentos. Cresceram as ocupações no governo Lula, mas não o atendimento das exigências dos sem-terra.

A região paraense é um dos focos de ocupação. A criação dos assentamentos por meio do Plano de Desenvolvimento Sustentável (PDS), que atendem aos objetivos ambientalistas, do qual fazia parte a missionária Dorothy, contrariava os interesses dos fazendeiros e madeireiros, que vivem às custas da expulsão dos camponeses para expandir seus negócios. Os exploradores tinham e têm a avaliação de que a via de quebrar a resistência dos camponeses é a do terror. A eliminação de lideranças e dos camponeses mais avançados serve para mostrar a força do poder econômico, que pode praticar impunemente o terrorismo dos opressores contra os oprimidos.

O governo, diante do choque entre camponeses sem-terra, posseiros e indígenas, procura amenizar a luta de classe implantando projetos de assentamentos, como o PDS. Apesar de exploradores terem livre trânsito nas terras do Estado, praticando amplamente a grilagem, não podem aceitar qualquer tipo de limitação a seu expansionismo.

A penetração do capitalismo no Pará vem tardiamente e expressa o desenvolvimento desigual e combinado do país semicolonial. A burguesia não tem como resolver a tarefa democrática da reforma agrária e proteção do pequeno e médio camponês. O Pará é um estado em que as terras pertencem ao governo, justamente pela tardia penetração da exploração capitalista da floresta e das terras. Não há necessidade de expropriar aquilo que já é do Estado para entregar as terras aos pobres do campo. É o contrário o que ocorre. É o poder burguês, sob a forma do capital agro-industrial e comercial, que confisca as terras do Estado, expulsa pela força os posseiros e impede que os camponeses migrantes tenham acesso à terra.

O governo, a Justiça, o Parlamento e a polícia sabem quem são os grileiros, os predadores das riquezas naturais, os contrabandistas de madeiras, minérios etc. e quem arma os jagunços contra os camponeses indefesos. As coisas se passam dessa maneira porque refletem as leis de funcionamento do capitalismo, da concentração de capital e da propriedade. A violência de classe da burguesia latifundiária e a proteção do Estado, legal ou ilegalmente (corrupção), é conseqüência do acúmulo de capital e a necessidade de ele se expandir na forma monopolista da propriedade da terra. A vida dos trabalhadores tem importância para a burguesia enquanto força de trabalho a ser explorada. Fora dessa lei, não vale nada.

Tribunais Populares

O governo Lula mobilizou a polícia federal e o exército para demonstrar que no país “há lei”. Rapidamente, os jagunços foram presos e um dos fazendeiros mandantes identificado. É uma demonstração de que, quando o Estado quer, os matadores de camponeses e lideranças são revelados. A prática geral tem sido a de desconhecer a maioria dos assassinatos e aqueles identificados receberem as bênçãos da Justiça. No caso da Dorothy, o presidente Lula tomou para si a tarefa de desvendar o crime. Essa demonstração, no entanto, está longe de uma ação contra o poder dos latifundiários de organizar suas milícias, contratar jagunços e resolver o conflito da terra por meio das matanças.

A população trabalhadora e oprimida exige do governo que puna os latifundiários e seus jagunços. Mas não guarda nenhuma ilusão de que o Estado atuará em favor dos camponeses contra os fazendeiros. A exigência de punição serve justamente para demonstrar que os matadores não sofrerão as conseqüências devidas. Toda vez que fazendeiros mandam fuzilar camponeses e lideranças, a burguesia joga a culpa nos pobres do campo por ameaçarem suas propriedades. Nos casos mais notórios, como o de Dorothy, não só acusam a vítima como isolam o fato, considerando-o um lamentável acontecimento provocado por grileiro irresponsável. A burguesia como classe, e sua fração latifundiária, em particular, escondem-se por trás dos crimes. A proteção dada pela Justiça aos fazendeiros matadores demonstra que os crimes não se circunscrevem a ações individuais, mas tratam-se de crimes de classe, produtos da luta de classe. Estão aí por que os tribunais da burguesia não vão punir esses crimes.

A resposta dos oprimidos deve ser outra. Unir a classe operária e os camponeses em um movimento de combate aos crimes de classe da burguesia. Os explorados têm de organizar um Tribunal próprio e independente do Estado para julgar os crimes de classe. Trata-se de um Tribunal Popular sob o controle de quem trabalha e sofre as conseqüências da violência do capitalismo.

Recuperar as terras do Pará e entregá-las aos camponeses

É tarefa do movimento camponês e operário não só denunciar os crimes ocorridos no Pará mas também defender a expropriação de todos os latifundiários. Trata-se não de legalizar as terras dos grileiros como apregoam as organizações dos latifundiários. Aproveitando-se dos acontecimentos trágicos, a UDR, a bancada ruralista do Congresso Nacional e o conjunto da oligarquia querem que o governo conceda as terras públicas ocupadas por fazendeiros, madeireiros etc. Dizem que com isso se porá fim ao conflito agrário na região e à pistolagem, podendo os pequenos agricultores conviver pacificamente com o latifúndio.

A realidade agrária do País mostra exatamente o contrário. Eis por que é preciso combater qualquer medida governamental de favorecimento aos grileiros e aos poderosos exploradores. A luta é pela retomada de todas as terras pelo Estado, deixando clara a sua nacionalização. Assim, poderão ser entregues aos camponeses para que as controlem e utilizem delas com planejamento coletivo.

*Erson Martins de Oliveira é professor do departamento de Artes da PUC/SP e diretor da Apropuc/SP.


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