Sem-terras são feridos a bala em protesto em Eldorados dos Carajás
Ao menos 16 manifestantes foram alvejados a balas, na manhã desta
quinta (21), por seguranças da fazenda Cedro, pertencente à Agropecuária
Santa Bárbara Xinguara, empresa que tem como acionista o banqueiro
Daniel Dantas, em Eldorado dos Carajás, Sudeste do Pará.
José Batista
Afonso, da coordenação nacional da Comissão Pastoral da Terra em Marabá,
afirma que os feridos estavam se reunindo na porteira da fazenda para
um ato contra a grilagem de terras, o trabalho escravo e o uso excessivo
de agrotóxicos, como parte das ações paralelas à Conferência das Nações
Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20. Nesse momento, os
seguranças atiraram contra eles. Segundo Batista, 12 pessoas até o
momento deram entrada no Hospital de Eldorado dos Carajás, entre elas
uma criança.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra possui
um acampamento na beira da rodovia PA-150, onde 310 famílias ocupam,
desde março de 2010, cerca de cinco hectares dos 7 mil da fazenda de
gado, que pertencia a Benedito Mutran Filho e foi vendida à Agropecuária
Santa Bárbara Xinguara.
De acordo com Charles Trocate, da
coordenação nacional do MST, que se encontra no local, está prevista uma
audiência com a ouvidoria agrária nacional nesta sexta, em Marabá. A
polícia militar já está no local para apurar o ocorrido. Segundo a
liderança, um grupo de cerca de mil manifestantes estava fazendo um
protesto na sede da Alpa (Aços Laminados do Pará), que tem a Vale como
uma das acionistas. De lá, seguiram para a frente da fazenda Cedro.
O
deputado federal Claudio Puty (PT-PA) está indo para o Pará acompanhar
os desdobramentos do caso e a reunião com a ouvidoria agrária. Ele
afirmou que "esse é mais um capítulo de violência ligada à propriedade
do grupo pertencente à Daniel Dantas. Boa parte dessas terras são,
originalmente, de aforamento para extração de castanha que, depois,
foram apropriadas e revendidas para o grupo Santa Bárbara de maneira
absolutamente irregular". De acordo com Puty, que também é presidente da
Comissão Parlamentar de Inquérito sobre Trabalho Escravo, as terras são
objeto de ação da Procuradoria Geral do Estado visando ao cancelamento
do direito ao uso para fins diferentes do original.
Em nota
divulgada à imprensa, o MST informa que chegou a ser proposto um acordo
judicial perante a Vara Agrária de Marabá, através do qual os movimentos
sociais desocupariam as fazendas Espírito Santo, Castanhais e Porto
Rico. Com isso, outras três (Cedro, Itacaiunas e Fortaleza) seriam
desapropriadas para o assentamento das famílias. "O Grupo Santa Bárbara,
que administra as fazendas do banqueiro [Daniel Dantas], concordou com a
proposta. Os trabalhadores desocuparam as três fazendas, mas o Grupo
Santa Bárbara tem se negado a assinar o acordo." O MST afirma que o
Incra (governo federal) e o Iterpa (Instituto de Terras do Estado do
Pará), por falta de coragem política, não enfrentam o problema e, por
isso, terras públicas cobertas de florestas de castanheiras tem se
transformado em pastagem para criação extensiva do gado.
Procurada
por esta reportagem, a Santa Bárbara Xinguara informou, através de sua
assessoria de comunicação, que "a empresa faz o que a lei lhe permite
para coibir essa violência: cobra as autoridades". Em nota, a empresa
afirma que "os invasores chegaram atirando e destruindo a propriedade,
aterrorizando os funcionários", que teriam fugido desesperados. "Eram
300 invasores enfurecidos e apenas seis seguranças para proteger as
vidas dos funcionários e de si próprios e à propriedade." A nota diz que
a empresa está cobrando ações das autoridades quanto às ocupações de
suas fazendas através de ofícios e boletins de ocorrência nos últimos
três anos e confirma que já havia um acampamento na Cedro. A empresa
nega que o grupo protestasse contra o uso de agrotóxicos, como divulgou o
MST.
"O balanço da violência, crimes e atentados às pessoas e ao
direito à propriedade é dramático. As invasões e os crimes delas
decorrentes alcançam prejuízos econômicos inimagináveis para o
empreendimento, com consequências desastrosas para toda sociedade,
inclusive maculando a imagem do Estado do Pará. A situação provoca os
mais diferentes sentimentos nas pessoas de bem: indignação, repúdio,
raiva, consternação", afirma a nota.
A entrada da fazenda se
localiza a cerca de 40 quilômetros da curva do "S" da rodovia PA-150,
local onde 19 trabalhadores rurais sem-terra foram assassinados em 17
de abril de 1996. O Massacre de Eldorado dos Carajás deixou mais de 60
feridos após uma ação violenta da Polícia Militar para desbloquear a
rodovia. Duas pessoas foram condenadas por conta da operação: o coronel
Mario Colares Pantoja (a 228 anos de prisão) e o major José Maria
Pereira Oliveira (a 154 anos), que estavam à frente dos policiais.
Apenas em 2012, a ordem de prisão para os dois foi expedida após
esgotarem-se todos os recursos.
Impactos ambientais
Impactos ambientais
Daniel Avelino, procurador da República no Pará, lembra que os controladores da Santa Bárbara Xinguara são réus em ações civis públicas movidas pelo Ministério Público Federal, em 2009, por conta da situação ambiental nas fazendas de gado do grupo. Os problemas na Cedro incluíam "fazer funcionar empreendimento agropecuário sem licença outorgada pelo órgão ambiental competente" e "impedir a regeneração natural de vegetação nativa em área especialmente protegida (Bioma Amazônia)". De acordo com a ação do MPF, 92,22% da Cedro não possuía cobertura vegetal, sendo que apenas de reserva legal, o empregador teria que garantir 80% estando na Amazônia.
Impacto de grandes fazendas, como as da Santa Bárbara, foi foco do MPF/PA (Foto: Verena Glass) |
Com
base em um levantamento feito em parceria com o Incra, o Ministério
Público Federal do Pará iniciou duas dezenas de processos judiciais
contra frigoríficos e fazendas (entre elas a Cedro), pedindo o pagamento
de R$ 2,1 bilhões em indenizações pelos danos ambientais no final de
maio de 2009. Dezenas de empresas que compraram subprodutos desses
frigoríficos receberam notificações em que foram informadas que haviam
adquirido insumos obtidos através do desmatamento ilegal da Amazônia e
do trabalho escravo. A partir da notificação, deveriam parar de comprar
desses fazendeiros e frigoríficos ou passariam à condição de
co-responsáveis pelos danos ambientais.
Redes de supermercados
acataram as recomendações, pressionando os frigoríficos. As grandes
indústrias processadoras de carne e o governo do Pará começaram a
assinar termos de ajustamento de conduta com o MPF. Com o tempo,
municípios paraenses e frigoríficos menores foram envolvidos no
processo. Os acordos do Pará foram os primeiros e contribuíram com a
diminuição no índice de desmatamento no Estado. Eles acabaram sendo
repetidos em outros Estados a ponto de ser necessária a criação de um
acordo regional. Há dois meses, o Ministério Público Federal propôs a
representantes de frigoríficos e exportadores de carne bovina um acordo
unificado para regularização ambiental e social da cadeia produtiva em
toda a região amazônica, uniformizando as obrigações e incentivos dados
aos produtores rurais.
Outras fazendas, os mesmos envolvidos
Trabalhadores rurais ligados ao MST chegaram a ocupar a fazenda Espírito Santo, também localizada no Sul do Pará, controlada pela Agropecuária Santa Bárbara. Integrada por terras públicas, elas estavam cedidas pelo Estado para Benedito Mutran Filho para colonização e extrativismo e não poderiam ter sido vendidas a Dantas sem autorização do governo.A fazenda tem uma história manchada de sangue. Em setembro de 1989, aos 17 anos, o trabalhador rural José Pereira Ferreira foi atingido por uma bala no rosto por funcionários da fazenda quando tentava escapar do trabalho escravo. O caso, que não recebeu uma resposta das autoridades brasileiras, foi levado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). Para não ser condenado por omissão, o governo brasileiro teve que fazer um acordo em que se comprometia a adotar uma série de medidas para combater o trabalho escravo e a indenizar José Pereira pela omissão do Estado. Em novembro de 2003, o Congresso Nacional aprovou um pagamento de R$ 52 mil.
A
petição número 11.289 da OEA, relativa à solução amistosa do "Caso Zé
Pereira", afirma que "o Estado brasileiro assume o compromisso de
continuar com os esforços para o cumprimento dos mandados judiciais de
prisão contra os acusados pelos crimes cometidos contra José Pereira". O
caso ainda está aberto, aguardando julgamento de acusados, sendo que o
gerente da fazenda, Artur Benedito Cortes Machado, teve extinta a
punibilidade retroativa em 06 de outubro de 1998 devido à prescrição do
crime. Tanto no processo da OEA quanto no que correu na Justiça
brasileira, Benedito Mutran Filho não aparece entre os réus. O
proprietário da fazenda foi arrolado como testemunha pela acusação e
afirmou que raramente ia à fazenda Espírito Santo e que demitiu os
funcionários envolvidos assim que soube do acontecido.
FONTE: Blog do Sakamoto
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