CORREIOS FINANCIA LUCRO DO BRADESCO

Por Henrique Júdice Magalhães 26/11/2006 às 16:01

Banco usa estrutura dos Correios para ter crescimento recorde. Empregados da Empresa de Correios e Telégrafos trabalham de graça. Sigilo de correntistas está em risco. Segurança das agências comprometida.

Desde 1995, os bancos comemoram, a cada ano, lucros mais espantosos. Nos últimos dois ou três anos, porém, um deles tem se destacado em meio aos demais: o Bradesco acumula recordes.

Na metade deste ano, registrou o maior lucro líquido semestral da história do setor bancário no Brasil: 3,13 bilhões de reais, um crescimento de 19,5% em comparação com o resultado obtido na primeira metade de 2005. No total do ano passado, o Bradesco já obtivera o maior lucro da história do sistema bancário da América Latina: 5,5 bilhões de reais. A rentabilidade patrimonial (comparação do lucro com o patrimônio) foi de 32%, em 2005, e está estimada pela diretoria do banco em 33,4% para 2006. Como aponta um estudo do Sindicato dos Bancários de São Paulo. Com mais um ano de lucro nesse patamar, seus donos podem abrir outro banco do mesmo porte.

Em 2005, o lucro do Bradesco cresceu 80% relativamente a 2004 ? mais do dobro do segundo colocado, o Itaú, cujo faturamento cresceu 39,6%. Para 2006, espera-se resultado semelhante na comparação com outros bancos.

O principal fator de crescimento do Bradesco é o crédito, responsável por 39% de seus ativos. No primeiro semestre de 2006, as operações de crédito somaram aproximadamente 10 bilhões de reais, contra 2,5 bilhões das operações de tesouraria (títulos públicos e aplicações financeiras) e 6,75 bilhões obtidos com a venda de seguros, títulos de capitalização e planos de previdência. A carteira de crédito do Bradesco cresce muito acima da média do setor financeiro: de 2005 para 2006, 27,9%. Na modalidade de empréstimo para pessoas físicas com prazo de doze meses, o Bradesco obteve crescimento de 50,6% entre 2005 e 2006; a média do mercado foi de 33,1%.


DE MÃO BEIJADA

Um dos grandes trunfos do Bradesco é o uso da estrutura da Empresa de Correios e Telégrafos (ECT), numa negociata que recebe o nome de Banco Postal. É ali que se movimenta grande parte dos recursos colocados à disposição para empréstimos e outras transações ? fato admitido pelo presidente do Bradesco, Márcio Cypriano, em entrevista concedida ao Jornal do Brasil, de 2 de outubro de 2005. No Banco Postal, estão 4,5 milhões dos 16 milhões de correntistas do Bradesco. Calcula-se que existam mais 13 milhões de clientes em potencial.

?O banco que chega aonde nenhum outro chegou? ? diz o saite dos Correios, para em seguida anunciar orgulhosamente: ?até março de 2002, nada menos que 1.750 municípios não dispunham de agências bancárias. Com o Banco Postal, 1.675 desses municípios já foram atendidos.?

Trata-se do velho truque, tantas vezes denunciado pelo saudoso jornalista Aloysio Biondi, de dar a informação às avessas. O que o texto constante do saite da ECT diz, na realidade, é que instituiu-se, a partir de 2002, um monopólio privado no setor bancário que atinge mais de um terço dos municípios brasileiros. Em vez de entregar o serviço ao Banco do Brasil, à Caixa Econômica Federal ? o que seria recomendável inclusive pelo fato de que algumas prefeituras do interior usam o serviço e a Constituição prevê que haveres públicos devem ser depositados em bancos públicos ? ou mesmo à própria ECT, o governo federal, ainda no período Fernando Henrique, abriu uma licitação cujo edital alijava o Banco do Brasil da disputa.

O Bradesco não apenas é o único banco presente nesses municípios como nem sequer tem que gastar para isto: usa a estrutura e o pessoal da ECT. Tem uma agência dentro de cada agência dos Correios, operada por empregados da ECT, que oferece todos os serviços de uma agência normal: abertura de contas, pagamento de faturas, empréstimos, aplicações, etc.

Para isso, pagou 201 milhões de reais ? valor menor que o movimentado em um mês apenas em operações de microcrédito ? mais um percentual do que arrecadar em boletos de cobrança.

Foi um negócio da China. Em quatro anos, o número de clientes do banco cresceu 35% e o número de pontos de atendimento passou de aproximadamente 3.500 (número de agências do banco) para mais de 9 mil. Isso, repita-se, praticamente sem custo.

O pessoal que trabalha no Banco Postal é todo da ECT, que teve de realizar concurso especialmente para preencher vagas destinadas à operação do Banco Postal. É a ECT que paga os salários. O empregado que atua como caixa do Banco Postal ganha apenas um adicional de 30 reais, recebendo, ao final, um salário consideravelmente menor que o de um caixa de banco. Menor até mesmo que o piso dos bancários. E sem que lhe sejam reconhecidos alguns direitos que a lei assegura aos bancários, como jornada de 30 horas, participação nos lucros do banco e direito a faltas não-justificadas.


SEM SIGILO OU SEGURANÇA

Outro prejuízo que a ECT vem sofrendo por causa do Banco Postal decorre do risco a que ficam expostos trabalhadores e usuários ? inclusive os que nada têm a ver com o serviço. A transformação das agências dos correios em agências bancárias fez com que aumentasse exponencialmente o número de assaltos a banco no interior.

As agências dos Correios não têm o dispositivo de segurança de uma agência bancária. Faltam detectores de metais, câmeras ou portas giratórias. Essas coisas poderiam inviabilizar ou tumultuar seu funcionamento. Mas a ausência delas, em uma agência bancária, encoraja os assaltantes. Quando há seguranças, eles trabalham desarmados.

No dia 1º de dezembro de 2005, um cliente foi morto durante um assalto a uma agência em Cambé (PR). Em Goiânia, segundo dados do Sindicato dos Trabalhadores em Correios e Telégrafos (Sintect), apenas uma agência não foi assaltada ainda. Apenas entre os dias 10 e 20 de julho deste ano, sete agências dos Correios foram assaltadas, segundo informação da Federação Nacional dos Trabalhadores em Correios e Telégrafos (Fentect).

Este não é o único risco ao usuário. Sindicalistas lembram que os trabalhadores dos Correios, além de não serem considerados bancários, não têm formação específica para lidar com sigilo de dados ? o que coloca sob risco a privacidade e a segurança dos clientes, mesmo porque há constante revezamento dentro das agências para a operação do caixa do Banco Postal.

Juntamente com os trabalhadores da ECT, os usuários são as maiores vítimas diretas do serviço.

Em entrevista à revista Banco Hoje, o diretor do Bradesco para o Banco Postal, André Cano, diz explicitamente como o banco usa a imagem e a confiabilidade dos Correios para locupletar-se às custas da boa fé de seus clientes: ?Estamos falando de um ambiente absolutamente simples, um ambiente que ele [o cidadão do interior ou de baixa renda] está acostumado a frequentar e ele se sente bem abrindo uma conta, pedindo um empréstimo.?


GRANDE ARAPUCA

No fundo, a estratégia não difere muito da de financeiras que laçam aposentados nas ruas das capitais e oferecem-lhes cafezinho enquanto os induzem a assinar empréstimos ruinosos (ver AND 31).

Há, porém, uma diferença: no caso do Banco Postal, o Bradesco está se valendo da imagem e do nome dos Correios. Muitos clientes do Banco Postal tomam um empréstimo acreditando que estão realizando a transação com a ECT, e não com um banco privado.

A ECT sequer recebe por isso. Em nenhum momento o contrato entre a empresa e o Bradesco faz menção a este uso de sua imagem.


SEM PRAZO

O contrato original do Banco Postal, celebrado no fim de 2001, previa que o Bradesco poderia usar cada agência dos Correios por cinco anos. Em 2004, porém, celebrou-se um aditivo que alterou a cláusula relativa à duração, que passou a vigorar nos seguintes termos: ?A vigência deste contrato é de 5 (cinco) anos, contados a partir do início da operação da última unidade implantada, incluída a fase de testes e ajustes operacionais.? Ou seja: quanto mais o Bradesco demorar a realizar a implantação do Banco Postal, mais tempo permanecerá como detentor da concessão.

A Controladoria Geral da União (CGU) considerou este aditivo irregular.

Outro aspecto em que o Bradesco é beneficiado é quanto às agências escolhidas para a implantação do serviço. O contrato original previa a utilização de 5.299 agências. Pelo aditivo de 2004, duzentas delas, situadas em municípios pequenos (alguns de difícil acesso) foram substituídas por 2.521 outras, localizadas em cidades de maior porte.

Apesar dessas agências serem bem mais lucrativas, o Bradesco pagou menos por elas: 60 milhões de reais, contra 201 milhões pagos inicialmente. Se fosse mantido o custo por agência do contrato original (o que já não seria um bom critério, pois as agências incluídas no aditivo são mais lucrativas que as que constavam do contrato de 2001), a ECT teria que receber aproximadamente 100 milhões de reais.

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