No dia 18 de agosto de 2011, sem nenhum aviso, chegou até a área revolucionária Zé Bentão (antiga Fazenda Santa Elina), a ouvidora agrária regional, senhora Márcia do Nascimento Pereira, e o delegado agrário recém transferido, senhor Lucas Torres Ribeiro, acompanhados de vários policiais militares fortemente armados e outros a paisana. O objetivo de tal visita foi o de mais uma vez ameaçar e desrespeitar as famílias que a mais de um ano vivem e trabalham nessa área e que lutam por um pedaço de terra há mais de 16 anos.
Após a chegada desses representantes do velho Estado, foi improvisada uma reunião com dezenas de camponeses que estavam próximos a sede da área.
Em suas falações tanto a ouvidora agrária, quanto o delegado disseram que vieram esclarecer e orientar sobre os “tramites legais” do processo de “assentamento” para “não gerar problemas”.
Mas na verdade as orientações da senhora Marcia, não passam de ameaças às famílias que tanto lutam e trabalham. Veja algumas afirmações dessa senhora:
“O assentamento não pode acontecer com a ocupação, tem que fazer cadastro”.
“Somente depois que sair todas as famílias e não haver nenhuma ocupação é que o Incra pode entrar para fazer o corte”.
“Existe uma liminar de reintegração de posse. Não pode acampar, as pessoas que estão lá fora tem o direito garantido, vocês aqui dentro não”.
Ora, todos sabem que só com ocupações é que se conquista a terra. Todas as áreas que os camponeses conquistaram em Rondônia foram através da luta, tomando posse das terras e produzindo.
Essa conversa de que tem que desocupar pra depois cortar a terra é para desmobilizar, desorganizar e enganar o povo. Já caímos nessa cilada em 2008 quando fomos despejados com a promessa de que em 1 ano seríamos “assentados”, e mais uma vez não cumpriram com suas falsas promessas. E além do mais, boa parte da antiga Santa Elina já está cortada há mais de um ano, e tudo feito com as próprias mãos camponesas e sem precisar de nenhuma família ser desocupada.
E dizer que quem está de fora da área tem direito a terra e quem está dentro lutando e trabalhando há tanto tempo não, é no mínimo um desrespeito com essas famílias. Porém mais do que isso, essa é uma prática antiga do Incra e particularmente da senhora Marcia, que é jogar povo contra povo. Criar desentendimentos e contradições entre famílias na tentativa de desorganizar e facilitar seu sujo trabalho de enganar e enrolar o povo para no fim conduzir o processo de acordo com objetivos escusos e oportunistas.
Não vemos nenhum problema que outras famílias tenham seu pedaço de terra na antiga Santa Elina, desde que essas famílias estejam realmente dispostas a trabalhar em cima da terra. Há ainda muita terra a ser cortada (Fazenda Maranatá e Nossa Senhora) e não há nenhum motivo para tirar as famílias que já produzem na área Zé Bentão sendo que há tanta terra sobrando. Prosseguindo as ameaças, a senhora Marcia ainda disse:
“O corte que foi feito não vai ser respeitado. O Incra só reconhece o corte feito por um engenheiro credenciado, não adianta ser topógrafo”.
“Não continuem a fazer isso, não continuem a fazer o corte por conta própria”.
“Só iremos garantir 130 famílias das vítimas na Água Viva e não podemos garantir lotes para 300 famílias”.
A reforma agrária do governo já há muito tempo faliu. O Incra não corta mais terra pra ninguém. Que área foi cortada pelo Incra no cone sul na ultima década? Nenhuma! E se agora estão discutindo a questão da Santa Elina é resultado da luta dos camponeses que há 16 anos persiste e agora é que estão correndo atrás do prejuízo, depois que os camponeses cansaram de esperar por que não vem e resolveram fazer o corte por conta própria.
A área revolucionária Zé Bentão foi cortada em algumas chácaras e em mais de 290 lotes de 12 alqueires, sendo 4 alqueires de cada lote unificados numa área de reserva de mata coletiva. Esses lotes foram entregues as próprias vítimas e seus familiares e as pessoas que acamparam desde o início da retomada da área por ordem de chegada.
Todo o corte foi organizado e executado com muita competência pelos camponeses, pontes foram construídas, as estradas foram reformadas e outras estão sendo abertas, existe uma escola já em funcionamento dentro da área e na imensa maioria dos lotes as famílias já possuem casas e produção. Em um ano dentro da área já foram realizadas grandes festas, celebrações e torneios esportivos e tudo isso sem nenhum centavo ou interferência do governo. Não foi preciso nenhum engenheiro, e nenhum burocrata do Incra pra realizar tais obras. Foi preciso apenas a força do povo e sua organização independente.
Uma camponesa presente na reunião resumiu bem a realidade: “Tá vendo aquela faixa Marcia? É a mais pura verdade!” A faixa que ela se referia tinha os seguintes dizeres: “SÓ A REVOLUÇÃO AGRÁRIA CORTA E ENTREGA A TERRA PARA O POVO!”
O grande temor do Incra é de que nosso exemplo se espalhe e as pessoas se deem conta de que o Incra e demais instituições do velho Estado não fazem falta alguma se elas tomam seus destinos em suas próprias mãos.
Portanto exigimos que o corte já feito seja respeitado e garantido. E que a parte da fazenda que ainda falta seja cortada em outras centenas de pequenas parcelas e garanta que mais famílias tenham acesso a terra.
A senhora Marcia disse ainda:
“Não vamos permitir que fiquem na terra quem não estiver no perfil de reforma agrária. Tem que fazer cadastro, se não tiver vão entrar na fila para outro assentamento, quem não tem cadastro não tem lote”.
“A justiça é lenta, mas só esperando”.
Esses cadastros do Incra nada mais são do que um instrumento a mais de enrolação do povo. Eles querem que o povo docilmente faça seu cadastro e espere pacientemente por um pedaço de terra. Dizem assim: “Basta fazer o cadastro que um dia vai ser chamado para pegar sua terra”. Realmente, Papai Noel e Coelhino da Páscoa também existem!
Sobram denúncias de que quem passa por esses cadastros são somente seus apaniguados, ou quem paga mais. Quantos cadastros já não foram feitos? Quantas famílias estão por aí em beiras de estradas, cadastradas há mais de 15 anos, esperando por um pedaço de terra? E o cadastro dos correios? Isso inclusive foi perguntado nessa reunião à senhora Márcia que afirmou que o mesmo tinha validade, mas até mesmo funcionários do Incra dão risada quando questionados sobre o assunto.
É muito fácil pra quem vive no conforto e com bom salário pedir paciência e que tem que esperar pela lentidão da (in)justiça, mas é muito difícil ter a mesma paciência pra quem passa junto com a família por inúmeras dificuldades e só vê a situação piorar.
E francamente, já cansamos de esperar! Já chega! Já são mais de 16 anos de enrolação!
Já o delegado agrário, além de endossar as palavras da senhora Marcia, ainda ameaçou dizendo fora da reunião que estavam ali cumprindo determinações do governo da Dilma e que se fosse preciso iriam “fazer igual foi feito no Pará”, numa alusão a operação militar chamada “paz no campo”, porém mais conhecida entre os camponeses como “terror no campo”. O resultado de tal operação em 2007 foram milhares de camponeses despejados de suas terras, diversos casos de agressões e torturas e mais de 12 lideranças dos camponeses identificadas e posteriormente assassinadas por bandos armados do latifúndio na região.
Em 1995, nessa mesma área que hoje tomamos posse ocorreu um dos maiores massacres de camponeses no Brasil, como resultado de uma operação da polícia militar juntamente de pistoleiros comandados pelo latifúndio. Aquele dia 09 de agosto de 1995 também entrou para a história como um símbolo da luta camponesa em que a resistência impediu que o massacre não fosse maior.
De lá pra cá já se passaram 16 anos de muita luta e resistência e hoje nosso sonho se tornou realidade. Estamos em cima de nossos lotes, trabalhamos dignamente e tiramos da terra o sustento da nossa família. Temos nossas cassas, nossas criações e produção. E não estamos dispostos a perder tudo isso que conquistamos com muito suor e luta.
Não queremos que se repita o 9 de agosto de 1995, mas reafirmamos mais uma vez, que dessa terra não vamos mais sair. Essas terras já foram regadas com o sangue de nossos companheiros e companheiras e estamos dispostos a defender e permanecer nessas terras custe o que custar!
Defender a posse pelos camponeses da fazenda Santa Elina! O povo quer terra, não repressão!
Terra para quem nela trabalha!
Viva o Corte Popular!
CODEVISE - Comitê de Defesa das Vítimas de Santa Elina |
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