NOVO PROCESSO CONTRA O TORTURADOR USTRA

Este artigo foi publicado originalmente na revista Caros Amigos nº164,  edição de novembro de 2010. Agradecemos à autora - a jornalista Lúcia Rodrigues, a permissão para reproduzi-lo em LUTA POPULAR. A luta contra a impunidade dos crimes de tortura no Brasil é fundamental para desmontar o processo de alienação que impera no país, fenômeno implantado sob a forma de uma aparente democracia resultante de acordos entre políticos burgueses e representantes da ditadura. Processo intensificado na administração tucano-petista que há anos vem infelicitando o povo ao desnacionalizar a economia, aumentar os ganhos do capital e a exploração da classe trabalhadora, lançando-a na informalidade, no endividamento eterno, nas favelas, tudo camuflado com a produção de indicadores econômicos inflados e distorcidos e a "operação ocultamento" efetuada pela mídia, em consonância com as orientações emanadas do capital.

Zantonc

Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, mas conhecido como "Major Tibiriçá"


Por LÚCIA RODRIGUES

O coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandante do centro de tortura mais temido do país na época da ditadura, é réu em ação movida pela família do jornalista assassinado Luiz Eduardo Merlino.

O comandante do DOI-Codi paulista, o Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna, Carlos Alberto Brilhante Ustra, pode ser responsabilizado pela morte do jornalista Luiz Eduardo Merlino, que ocorreu em 19 de julho de 1971, após ter sido torturado por ele e seus comandados.

Merlino ficou pendurado no pau-de-arara por 24 horas ininterruptas, recebendo choques elétricos, socos, pontapés e telefones (golpes desferidos contra os ouvidos da vítima com as duas mãos em formato de concha, cujo ferimento pode levar ao rompimento dos tímpanos). As sevícias a que o jornalista foi submetido pelo comandante Brilhante Ustra foram de tal intensidade que provocaram gangrena em suas pernas.

A ação que tramita na justiça paulista impetrada pelo jurista e professor titular aposentado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Fábio Konder Comparato, a pedido da irmão do jornalista, Regina Merlino Dias de Almeida, e da companheira, Angela Mendes de  Almeida, solicita a responsabilização do ex-chefe do DOI-Codi pela tortura e assassinato do ativista do Partido Operário Comunista (POC),

Comparato explica que além do reconhecimento da responsabilidade pessoal do coronel reformado do Exército, a ação também pede uma indenização por danos morais causados à família. “Pela dor e humilhação que a tragédia provocou nas duas”, ressalta, ao se referir a Angela e Regina.

Foi Regina quem abriu a porta para os agentes do DOI-Codi que prenderam seu irmão. Ela estava no apartamento da família, em Santos (SP), com a mãe, a tia e o irmão, Luiz Eduardo, quando a campainha tocou. “Entraram três sujeitos violentos e levaram meu irmão”, recorda. Essa foi a última vez que elas o viram. “Não sei como minha mãe aguentou”, lamenta ao relembrar o sofrimento causado pela perda.

O sofrimento da companheiro do jornalista também foi enorme. Ela estava exilada em Paris, na França, quando soube de sua morte. Merlino tinha retornado pouco tempo antes ao Brasil. Ângela exercia cargo de direção no POC e era procurada pelos órgãos de repressão. Os militares também procuravam por Nicolau, mas desconheciam que esse era o codinome usado por Merlino na clandestinidade. Por isso, o jornalista conseguiu voltar ao Brasil com passaporte legal. Merlino retornou de uma viagem à França, feita juntamente com sua companheira, com o propósito de se aproximar da Quarta Internacional.

Ângela explica que a verdadeira identidade do ativista do POC foi obtida pelos militares torturando militantes da organização, capturados naquele período. “De tanto torturarem, conseguiram obter a informação com um desses presos.” Com a solução do enigma, estabeleceram o elo que faltava entre Nicolau e o jornalista. A partir desse momento, o destino de Merlino estava sentenciado.

A última vez que ela o viu foi na véspera de sua partida para o Brasil. Algumas horas antes, Angela embarcaria em um trem na Gare de Lyon rumo a Suíça onde realizaria um treinamento com armas. A notícia da morte, no entanto, só chegou quando ela já havia retornado à França.

Do outro lado do oceano e sem nada poder fazer, restou a dor e o desespero. Obviamente ela estava impedida de vir ao enterro e se despedir do amado. Isso impôs um sofrimento com proporção ainda maior.



JUSTIÇA

Angela e Regina não querem ser remuneradas pela perda. Elas haviam protocolado uma ação conjunta contra Brilhante Ustra, em outubro de 2007, que foi sustada no começo deste ano justamente por não conter um pedido indenizatório. A peça tinha o caráter exclusivamente declaratório, solicitava tão somente o reconhecimento público de que o coronel reformado fosse identificado como torturador e assassino do jornalista.

O advogado do torturador, no entanto, se valeu disso para interceptar seu julgamento no Tribunal de Justiça de São Paulo. Por isso, desta vez Regina e Angela preferiram não arriscar e Comparato sistematizou em seu texto a solicitação formal de uma indenização financeira.

Mas nem Regina, nem Angela estão interessadas no retorno monetário que a ação possa vir a render. Ambas querem somente que o torturador do irmão e do companheiro seja reconhecido publicamente como seu algoz e assassino.

A ação não fixou um valor a ser pago por Brilhante Ustra em caso de condenação. “Como nós não queremos dinheiro, o doutor Comparato propões que quem irá estabelecer essa quantia será o próprio juiz (que julgar o caso)”, explica Angela. “Queremos o reconhecimento formal da responsabilidade desse coronel na tortura e consequentemente morte de meu irmão”, frisa Regina.

A ação da família Merlino não tem prazo para ir a julgamento, segundo Comparato. Mas Brilhante Ustra enfrenta outros processos na justiça movidos por outras famílias vítimas de sua violência. Uma delas já ganhou o embate contra o torturador.

O juiz Gustavo Santini, da 23ª Vara Cível da capital paulista, acatou o pedido impetrado pela família Teles e declarou publicamente Brilhante Ustra torturador, em outubro de 2008. O magistrado fundamentou sua decisão com base na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Maria Amélia de Almeida Teles, o marido César Teles, os filhos Janaína Teles, à época com cinco anos, e Edson Teles, com quatro, além de sua irmã, Criméia Alice Schimdt de Almeida, que estava grávida, foram vítimas do militar em 1972. Os três adultos eram militantes do Partido Comunista do Brasil, o PC do B, e foram brutamente torturados por Brilhante Ustra e seus subordinados, as duas crianças sofreram torturas psicológicas. Eram levadas ao DOI-Codi para ver os pais machucados.

O depoimento de Criméia, dado a uma minissérie da cineasta Tata Amaral exibida na TV Cultura, é contundente. “Eu apanhei muito e apanhei do comandante... ele foi o primeiro a me torturar e me espancou até eu perder a consciência, sendo que eu era uma gestante bem barriguda. Eu estava no sétimo mês de gravidez”, destaca ao se referir a Brilhante Ustra.

No ano que vem a morte de Merlino completará 40 anos e o sofrimento da família poderia ainda ser maior. Os militares não entregaram o corpo do jornalista. Não fosse pela ação do marido de Regina, Adalberto Dias de Almeida, que era delegado de polícia, ele certamente engrossaria a lista de desaparecidos políticos da ditadura.

Dia 20 de julho de 1971, cinco após a prisão do jornalista, a família recebeu a notícia de que ele teria cometido suicídio. De acordo com a versão dada à sua mãe, ele teria se jogado embaixo de um carro na BR-116, na altura de Jacupiranga. Essa versão consta no laudo necroscópico e na certidão de óbito, assinados pelos médicos legistas Isaac Abramovitc e Abeylard Orsini. No entanto, em nenhum momento, a família acreditou que a versão fosse verdadeira.

Como o corpo não foi entregue, dois tios e o cunhado de Merlino, Adalberto, foram ao IML de São Paulo. O diretor do Instituto negou que o corpo estivesse ali, mas usando do fato de ser delegado, o cunhado burlou a vigilância e foi em busca do corpo de Merlino. Encontrou-o com marcas de tortura em uma gaveta sem identificação. O corpo do jornalista foi entregue à família num caixão fechado.

Jornalistas amigos de Merlino foram até Jacupiranga e não encontraram nenhum sinal do suposto atropelamento ou outro acidente de trânsito ocorrido naquele ponto, no dia indicado. O veículo que o teria atropelado nunca foi identificado nem foi feita ocorrência no local do fato.

O marido de Regina sofreu as consequências do ato, que foi considerado uma afronta aos militares. De imediato, foi transferido para uma delegacia de um bairro periférico. Ao longo da carreira, nunca foi promovido por merecimento, apenas por tempo de serviço.

Impedida de noticiar a morte de Merlino, somente mais de um mês depois, o jornal O Estado de S. Paulo publicou um anúncio fúnebre: “Os amigos e parentes do jornalista Luiz Eduardo da Rocha Merlino convidam os jornalistas brasileiros e o povo em geral para a missa de trigésimo dia de seu falecimento a realizar-se sábado próximo, 28 de agosto, às 18h30, na Catedral da Sé, em São Paulo”. Cerca de 770 jornalistas compareceram à missa. Na cerimônia, os mesmos três homens que buscaram Merlino em Santos compareceram para dar “os pêsames” à sua mãe e irmã.


TORTURADOR NÃO FALA

A reportagem da Caros Amigos entrou em contato com Brilhane Ustra, mas ele não quis se pronunciar sobre o caso. Sua mulher, Maria Joseíta Brilhante Ustra, informou que o marido não dá entrevista para nenhum jornalista. “Você já é a quinta repórter que liga hoje”, disse.

A reportagem da Caros Amigos argumenta que corre na justiça ação que acusa seu marido pela tortura e morte do jornalista Luiz Eduardo Merlino, movida pela família do ativista político. Maria Joseíta desconversa”: “Essa ação é antiga e foi barrada”.

A reportagem insiste e afirma que tem em mãos as duas ações e que se trata, sim, de uma nova peça. E ela acaba por admitir. “Não estou dizendo que é a mesma, é outro número, outra coisa, mas é a mesma ação. E ele não dá entrevista”, frisa de forma a querer encerrar a conversa.

Caros Amigos então pergunta seu nome e Maria Joseíta se irrita. “Meu nome não interessa para você, minha filha, eu não estou dando entrevista”, responde, rispidamente.

Apesar de não conceder entrevistas, Brilhante Ustra parece não se preocupar com as ligações que recebe da imprensa em sua residência, em Brasília. O torturador mantém o número de telefone em seu nome. Um rápido acesso ao sítio de busca na internet permite sua localização.

Luiz Eduardo Merlino


MÍDIA CÚMPLICE

Merlino tinha uma carreira promissora, mas ousou não se curvar ao algoz. O jornalista passou por grandes redações. Trabalhou na Folha da Tarde, publicação do Grupo Folha de São Paulo, de propriedade da família Frias, logo após ter deixado o Jornal da Tarde, do Grupo Estado, da família Mesquita.

Com o fechamento do regime, a Folha da Tarde assume o papel de porta-voz da versão oficial dos militares sobre fatos que envolviam ativistas de esquerda. Policiais passaram a trabalhar em sua redação como jornalistas. O jornal passou a noticiar, inclusive, a morte de ativistas antes de terem ocorrido.

O jornalista e ex-preso político Ivan Seixas soube que o pai seria assassinado ao ver sua morte noticiada na Folha da Tarde. Os dois estavam presos no DOI-Codi do comandante Brilhante ustra, no início dos anos 70. Naquela época, os militares levavam suas vítimas do DOI-Codi para o DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) e vice-versa. Em uma dessas saída, Ivan viu a publicação com a notícia macabra. Quando retornou ao DOI-Codi constatou que seu pai continuava a ser torturado.

A ditadura militar contou com o apoio logístico e/ou monetário de empresários de vários setores da economia. O proprietário do Grupo Folha de São Paulo, Otávio Frias de Oliveira, era um dos que apoiavam os militares. Sua empresa cedia carros para fazer o transporte de presos políticos entre os centros de tortura.

Comentários

Boca de Caêra disse…
punição para os torturadores!
morte ao fascismo!
Viva a revolução brasileira!

Postagens mais visitadas