O QUE EXISTE POR TRÁS DO CASO ABADíA


Walter Fanganiello Maierovitch, ex-secretário antidrogas (1998-2000), especialista em atividades criminosas transnacionais, conultor da Organização das Nações Unidas e presidente do Institudo Brasileiro Giovanni Falcone, referência em estudos sobre o crime organizado, concedeu esta entrevista à Folha de São Paulo, em 03.09.2007. Pela relevância do tema e pertinência das idéias do entrevistado, ela é reproduzida integralmente em LUTA DE CLASSES. Nela podemos observar que a "colombianização" da nossa polícia equivale ao processo de subalternização generalizada do Brasil, concebido como nação periférica, sem autonomia, com uma política de segurança pública idealizada pelos estrategistas norte-americanos que treinam, financiam e dão assessoria logística em troca da total subserviência de nossas autoridades, que abdicam da soberania quando passam a funcionar como serviçais dos interesses do Grande Irmão na América Latina.




FOLHA - A Polícia Federal comparou o narcotraficante Abadía, preso no último dia 7, ao lendário Pablo Escobar, líder do cartel de Medellín...

WALTER MAIEROVITCH - Ramirez Abadía é um operador. Se se comparar o Diego Montoya Sánchez, líder máximo do Cartel do Valle do Norte, ao presidente da República, o Ramirez Abadía seria o prefeito de uma cidade importante. Não tem nada a ver dizer que é tão importante quanto Escobar.

FOLHA - Por quê?

MAIEROVITCH - Pablo Escobar tinha uma companhia de aviação, a "Expresso da cocaína", tinha área de refino, a "Tranqüilândia". Antes dele não havia um pé de coca na Colômbia -foi ele que introduziu. Virou parlamentar. Quando ameaçado de extradição para os EUA, ele fez um presídio para si. Este, sim, era o maior do mundo, um gênio do mal. Começou como ladrão de cemitério. Não dá para comparar Abadía com Escobar para, assim, tentar provar a eficiência da polícia brasileira.

FOLHA - Ramirez Abadía é importante na organização?

MAIEROVITCH - É. Como operador, é. Mas outros iguais a ele estão espalhados pelo mundo. O sistema do narcotráfico, com a quebra do Cartel de Medellín e de Cali, não tem mais mega-organizações. A Colômbia tem uma miríade de "cartelitos".

FOLHA - O Cartel do Valle do Norte é um desses "cartelitos"?

MAIEROVITCH - Ele tem uma situação particular, porque apóia e é apoiado pelos grupos paramilitares de direita que combatem as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), grupo guerrilheiro esquerdista. As Farc têm como principal fonte de renda o seqüestro de pessoas. Depois, vem o roubo de gado. A terceira fonte é a chamada "taxa revolucionária", cobrada por plantio e refino de coca. Quem combate essa insurgência são os paramilitares, cuja maior organização são as AUC (Autodefesas Unidas da Colômbia), financiadas pelo chefão do Cartel do Valle do Norte, Diego Montoya Sánchez. Ele já jogou droga nos EUA, está condenado à prisão perpétua lá. É difícil encontrá-lo? Não. Ele chegou a namorar uma ex-miss colombiana, passeava de jipinho com ela.

FOLHA - E por que ele não é preso?

MAIEROVITCH - Porque ajuda a combater as Farc e ainda impede que elas conquistem uma área rica em petróleo no oeste da Colômbia. A política antidrogas é uma política interesseira, que esconde objetivos geoestratégicos.

FOLHA - Por que Ramirez Abadía parece fazer tanta questão de cumprir pena nos Estados Unidos?

MAIEROVITCH - Vou dar um exemplo. Os EUA pegaram os irmãos Ochoa, que eram sócios do Escobar. Para evitar a prisão perpétua, entregaram Escobar e o narcoditador Manuel Noriega [do Panamá, preso em 1990 e condenado a 30 anos de prisão]. Os traficantes passaram um tempinho presos e voltaram à Colômbia com todo o patrimônio. Hoje, são os maiores criadores de cavalo e gado da Colômbia. Não se metem mais com o narcotráfico. Esse tipo de negociação interessa muito aos americanos. É possível que Ramirez Abadía queira um acordo desse tipo.

FOLHA - Se Ramirez Abadía for para os EUA e fizer uma negociação como essa, o que vai acontecer?

MAIEROVITCH - O Brasil está quase entrando nessa enganação. Eu sei que nosso sistema penitenciário é uma porcaria, que esse camarada pode fugir, pode ficar telefonando. Mas o fato é que ele cometeu crimes aqui e isso precisa ser apurado. Aqui também tem a possibilidade de delação premiada. Com a extradição, estará montada a farsa. Ele poderá fazer um acordo para preservar o patrimônio e toda a estrutura de tráfico e lavagem que mantém no Brasil. Para nós interessa uma investigação profunda.

FOLHA - Não é mais fácil para ele fugir de uma cadeia brasileira?

MAIEROVITCH - É preciso colocá-lo em Regime Disciplinar Diferenciado. Agora, entregá-lo às autoridades americanas é coisa de uma subserviência atroz. Ele tem de ser punido aqui -é o princípio da territorialidade. Se a polícia é uma porcaria aqui, e é, que se conserte.

FOLHA - Sabe-se que a prisão só foi possível por causa da colaboração da DEA (Drug Enforcement Administration), agência americana de combate ao narcotráfico, que municiou a PF com informações. Não seria justo entregá-lo neste contexto?

MAIEROVITCH - O jogo do DEA é pegar um grande e negociar. É possível que traficantes brasileiros, que mandam drogas para a Europa, tenham a ver com o pessoal do Ramirez Abadia? Não é só possível como era o que ocorria. Agora, qual era o porto que eles usavam? Era Santos ou era o Rio de Janeiro? A extradição pura e simples significa não se apurar nada. O jogo do DEA está em prometer uma recompensa pela prisão, mas, "achou, manda pra nós". Será que a nossa polícia está terceirizada? Em nome do quê?

FOLHA - Se o narcotráfico é transnacional, não seria razoável supor que o combate a ele também fosse?

MAIEROVITCH - Seria. Infelizmente, porém, o que existe é cooptação internacional de policiais na América do Sul. Fazem a Escola Andina de Inteligência, dão cursos. Põem dinheiro. Colaboram com a obra da sede da PF em Brasília.

FOLHA - Quantos agentes do DEA existem no Brasil?

MAIEROVITCH - A primeira grande briga que comprei na secretaria [nacional antidrogas] foi quando oficiei o embaixador americano para saber quantos agentes do DEA e da CIA havia em atividade no Brasil. Sabe qual foi a resposta? "Não lhe devemos satisfação." E por que eu perguntei isso? Porque eu fui a Tabatinga, que é uma grande entrada de drogas, cinco sujeitos se apresentaram como agentes da DEA. Me deram os cartões. Apesar das resistências, foi possível saber que, entre DEA, CIA e NAS (Narcotic Affairs Section), havia 63 agentes aqui. Hoje, não sei.



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