O grande educador Anísio Teixeira foi assassinado pelo regime militar
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UnB instala Comissão da Verdade com depoimento inédito |
Professor
baiano surpreendeu os presentes na cerimônia ao narrar depoimentos que
reforçam a suspeita de que Anísio Teixeira, fundador da Universidade,
foi assassinado pelo regime militar
Por Débora Cronemberger - Da Secretaria de Comunicação da UnB
Um pedaço
sombrio da história do Brasil começou a ser esclarecido no final da
manhã desta sexta-feira, 10 de agosto. Quatro décadas após ser
encontrado sem vida no fosso de um elevador, no Rio de Janeiro, um
depoimento inédito pode mudar a versão oficial da morte de Anísio
Teixeira, fundador da Universidade de Brasília e um dos nomes mais
importantes da educação brasileira.
O relato, feito
inesperadamente durante a instalação da Comissão da Verdade da
instituição dirigida por Anísio Teixeira de junho de 1963 a abril de
1964, reforçou a importância da criação desta instância de investigação
pelo reitor José Geraldo de Sousa Junior. Batizada com o nome do
educador, a Comissão da Verdade nasce cumprindo seu propósito principal:
resgatar a verdade de fatos ocorridos durante o regime militar, entre
eles os desaparecimentos dos alunos do campus Darcy Ribeiro Honestino
Guimarães, Ieda Santos Delgado e Paulo de Tarso Celestino.
Ao
pedir a palavra, durante a cerimônia, João Augusto de Lima Rocha,
professor da Universidade Federal da Bahia, surpreendeu os cerca de 150
docentes, alunos e autoridades presentes. Na tribuna do auditório da
Reitoria, o professor revelou o conteúdo de três depoimentos aos quais
teve acesso nos anos seguintes ao sepultamento do pioneiro da Educação
Nova.
As
narrativas reforçam a suspeita de que Anísio Teixeira foi assassinado
pelo regime militar, ao contrário do que relatam os documentos da época.
O professor João Augusto afirma ter ouvido de Luiz Viana Filho,
governador da Bahia quando Anísio Teixeira foi encontrado morto, que o
educador foi preso no dia 11 de março de 1971 e levado para o quartel da
Aeronáutica.
Paulo Castro/UnB Agência |
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Professor
João Augusto de Lima Rocha, da Fundação Anísio Teixeira, em
pronunciamento durante a instalação da Comissão da Verdade da UnB
|
A
data é a mesma em que o educador desapareceu, após sair da Fundação
Getúlio Vargas em direção à casa do filólogo Aurélio Buarque de Holanda,
localizada no edifício Duque de Caxias, na Praia do botafogo, número
48. O corpo foi encontrado no fosso do elevador dois dias depois, em 13
de março. "Em dezembro de 1988, Luiz Viana Filho me confessou, com base
em fontes militares de sua confiança, que Anísio foi preso no dia que
desapareceu e levado para o quartel da Aeronáutica. A operação, segundo
suspeitas do médico Afrânio Coutinho, teve como mentor o brigadeiro João
Paulo Burnier, figura conhecida do regime militar e que tinha o plano
de matar todos os intelectuais mais importantes do Brasil na época",
disse João Augusto.
De acordo com os relatos de
policiais da 10ª Delegacia de Polícia, responsáveis pela investigação do
caso à época, Anísio Teixeira estava "de cócoras, com a cabeça junto
aos joelhos, sob um platô de cimento armado, meio metro acima do fundo
do poço". Havia ferimentos na base da cabeça e no rosto e respingos de
sangue na parte interna da casa de força. Pasta de documentos e óculos
estavam intactos ao lado do corpo. Os depoimentos dos agentes estão
detalhados na edição de 15 de março do jornal Última Hora.
Além
do testemunho de Luiz Viana Filho, João Augusto soube do relato de dois
médicos que viram o corpo de Anísio Teixeira durante a necrópsia. "Os
médicos Afrânio Coutinho e Clementino Fraga Filho tiveram acesso ao
corpo de Anísio devido a um engano do Exército. No dia que o corpo de
Anísio foi encontrado no fosso do elevador, um militar havia se
suicidado no mesmo bairro. Quando o rabecão passou para pegar o corpo do
oficial, pessoas do prédio onde Anísio foi localizado pediram que
levassem o corpo", contou. "Se soubessem quem era, talvez a necropsia
não tivesse ocorrido".
O professor conta que ouviu de Afrânio que os graves ferimentos de Anísio Teixeira jamais poderiam ter resultado de uma queda no fosso do elevador. Afrânio repassou ao professor a mesma opinião que teria escutado de Clementino. "Anísio teve todos os ossos quebrados, o que seria impossível acontecer com a queda no fosso", contou o professor à plateia, que, perplexa, ouvia atentamente e em silêncio.
O professor conta que ouviu de Afrânio que os graves ferimentos de Anísio Teixeira jamais poderiam ter resultado de uma queda no fosso do elevador. Afrânio repassou ao professor a mesma opinião que teria escutado de Clementino. "Anísio teve todos os ossos quebrados, o que seria impossível acontecer com a queda no fosso", contou o professor à plateia, que, perplexa, ouvia atentamente e em silêncio.
Nenhum
dos depoimentos foi gravado. Luiz Viana Filho e Afrânio Coutinho
morreram, o primeiro em 1990 e o segundo dez anos depois. Clementino
Fraga Filho é o único ainda vivo. "Nas conversas que tive com o
ex-governador e com Afrânio, eles não aceitaram fazer o registro sobre o
assunto. O depoimento de Clementino me foi passado por Afrânio", disse o
professor. "Era uma outra época. As pessoas tinham medo de falar. A
própria família de Anísio tinha receio, mas os filhos querem agora
reaver essa história", comentou João Augusto. Segundo ele, Clementino
está com 94 anos. "Vou tentar convencê-lo a falar publicamente sobre o
assunto", completou.
João Augusto, que participou da
cerimônia porque estava em Brasília para uma reunião da Federação de
Sindicatos de Professores de Instituições Federais de Ensino Superior
(Proifes) e viu o anúncio da instalação da Comissão da Verdade, revelou
ainda que Afrânio Coutinho confidenciou ter escrito um texto contando a
história da necropsia. O material, segundo o professor, teria sido
deixado na sede da Academia Brasileira de Letras com a recomendação de
que fosse tornado público apenas em 2021. "Passei 20 anos em busca de
provas destas histórias. Ao saber da criação da Comissão, percebi que
era hora de contar", disse.
Paulo Castro/UnB Agência |
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Depoimento do professor João Augusto sobre morte de Anísio Teixeira surpreendeu coordenadora do Comitê da Verdade do Distrito Federal |
NOVO SIGNIFICADO - O
relato do professor da Universidade Federal da Bahia conferiu
significado ainda mais amplo à Comissão da Verdade da UnB. "Não conhecia
esses depoimentos sobre a morte de Anísio. É um caso para se
investigar. Inclusive podemos trabalhar em conjunto com a Comissão da
Verdade da UnB", disse Gilnei Viana, da Secretaria de Direitos Humanos
da Presidência da República. "Esse pode ser o nosso fio da meada. Além
da importância inquestionável para a UnB, Anísio Teixeira é um dos
principais nomes da história da educação brasileira", comentou o
coordenador de investigação da Comissão da Verdade Anísio Teixeira, o
professor do Instituto de Ciências Humanas José Otávio Nogueira
Guimarães.
Iara Xavier Pereira, da coordenação do
Comitê da Verdade do Distrito Federal, afirmou que sempre houve dúvidas
quanto à morte de Anísio Teixeira. "Sempre houve suspeita, mas nunca
surgiu nada concreto. Esses depoimentos, citados pelo professor, são
novidade", disse.
Criada para investigar os casos
de repressão que envolvem a UnB, a Comissão Anísio Teixeira conta com 11
integrantes, entre professores e ex-alunos vítimas do período da
repressão e tem como presidente o ex-reitor Roberto Aguiar. É a primeira
Comissão com esta finalidade criada por uma universidade brasileira.
Edu Lauton/UnB Agência |
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O secretário nacional de Justiça e presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, assinou acordo de cooperação com o grupo formado na UnB |
TRABALHO CONJUNTO -
José Geraldo abriu a cerimônia com mensagem enviada por Paulo Sérgio
Pinheiro, membro da Comissão Nacional da Verdade, instalada pela
presidenta Dilma Rousseff em maio deste ano para elucidar os crimes do
período da repressão em âmbito nacional. "Afirmo meu desejo de ajudar a
estreitar todos os vínculos de cooperação com a Comissão Nacional da
Verdade, que tem o poder de convocar qualquer cidadão, assim como tem
acesso a todos os documentos existentes em nosso país em qualquer nível
de acesso que estejam. Creia que nossa competência está à plena
disposição da Comissão da Memória e Verdade Anísio Teixeira para a
realização plena de seus objetivos", disse na carta. Para José Otávio
Guimarães, essa possibilidade de convocar pessoas para depor será
fundamental para os trabalhos.
O reitor José Geraldo ressaltou que a Comissão Anísio Teixeira surge com a proposta de complementaridade com os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade. "Não há redemocratização plena se não resgatarmos a memória desta experiência. Ocultamentos nos levam a incidir sobre novos desvios", disse. Outra característica apontada por ele é o aproveitamento de experiências e trabalhos realizados sobre o tema. José Geraldo citou como exemplo a reedição do livro Universidade Interrompida, de Roberto Salmeron, dentro das comemorações do jubileu da UnB.
O reitor José Geraldo ressaltou que a Comissão Anísio Teixeira surge com a proposta de complementaridade com os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade. "Não há redemocratização plena se não resgatarmos a memória desta experiência. Ocultamentos nos levam a incidir sobre novos desvios", disse. Outra característica apontada por ele é o aproveitamento de experiências e trabalhos realizados sobre o tema. José Geraldo citou como exemplo a reedição do livro Universidade Interrompida, de Roberto Salmeron, dentro das comemorações do jubileu da UnB.
Mateus
Guimarães, sobrinho do líder estudantil Honestino Guimarães, que estudou
Geologia na UnB e desapareceu em 1973, acrescentou outro aspecto que
ele considera fundamental para orientar os trabalhos da Comissão da
Verdade. "O resultado final mais importante será resgatar o projeto
universitário idealizado pelos fundadores da UnB, tão necessário e
fundamental para um país como o nosso", disse Mateus. "Um projeto
baseado no princípio da emancipação de pessoas", acrescentou José
Geraldo.
Cristiano Paixão, coordenador de relações institucionais da Comissão da UnB, destacou o interesse que o resgate da memória e da verdade desperta entre várias gerações. "É impressionante a atenção que estudantes nascidos após a Constituição de 1988 dão a esse tema. A maior contribuição que podemos dar se insere na dimensão do aprendizado", afirmou. Paulo Abrão, secretário nacional de Justiça, elogiou a iniciativa pioneira da UnB. "A Comissão de Anistia do Ministério da Justiça deve muito à Universidade de Brasília. Boa parte dos membros da Comissão se formaram aqui ou são professores daqui", destacou em seu pronunciamento.
Cristiano Paixão, coordenador de relações institucionais da Comissão da UnB, destacou o interesse que o resgate da memória e da verdade desperta entre várias gerações. "É impressionante a atenção que estudantes nascidos após a Constituição de 1988 dão a esse tema. A maior contribuição que podemos dar se insere na dimensão do aprendizado", afirmou. Paulo Abrão, secretário nacional de Justiça, elogiou a iniciativa pioneira da UnB. "A Comissão de Anistia do Ministério da Justiça deve muito à Universidade de Brasília. Boa parte dos membros da Comissão se formaram aqui ou são professores daqui", destacou em seu pronunciamento.
Edu Lauton/UnB Agência |
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Estudantes comparecem ao auditório com máscaras com a imagem do rosto de Honestino Guimarães, alunos desaparecido durante o regime militar |
E SE HONESTINO ESTIVESSE AQUI - A cerimônia foi marcada também por manifestação de estudantes. Usando máscaras com a imagem do rosto de Honestino Guimarães, em uma manistação que chamaram "Movimento Honestinas", os alunos distribuíram panfletos para divulgar a idéia da chapa Honestino Guimarães de "não candidato" à reitoria da UnB. Atualmente, está em curso no campus consulta organizada pelos três segmentos da Universidade para escolha do próximo reitor. A lista será levada ao Conselho Universitário, a quem cabe elaborar lista tríplice de indicados destinada à Presidência da República. Quatro dos candidatos estiveram presentes à cerimônia: João Batista de Sousa, Márcia Abrahão, Paulo César Marques e Volnei Garrafa.
Na entrada do auditório, os estudantes afixaram cartazes com a pergunta: "O que faria Honestino Guimarães se fosse reitor da UnB?" "Essa pergunta me deixou abalado", disse Paulo Abrão no final da cerimônia. "Eu acho que se Honestino fosse reitor da UnB. Ele faria o mesmo que José Geraldo: criaria a Comissão da Verdade da UnB".
A primeira reunião da Comissão será marcada na próxima semana. A partir da próxima segunda, a UnB promove festival de cinema para divulgar a Comissão Anísio Teixeira.
Integrantes da Comissão Memória e Verdade Anísio Teixeira
1. Roberto Armando Ramos de Aguiar (presidente)
2. José Otávio Nogueira Guimarães (coordenador de investigação)
3. Cristiano Otávio Paixão Araújo Pinto (coordenador de relações institucionais)
4. Simone Rodrigues Pinto (coordenadora de redação e sistematização)
5. Daniel Barbosa Andrade de Faria
6. Eneá de Stutz e Almeida
7. Fernando Oliveira Paulino
8. Beatriz Vargas Ramos Gonçalves de Rezende
9. Cláudio Antônio de Almeida
10. Luiz Humberto Pereira Martins
11. Nielsen de Paula Pires
1. Roberto Armando Ramos de Aguiar (presidente)
2. José Otávio Nogueira Guimarães (coordenador de investigação)
3. Cristiano Otávio Paixão Araújo Pinto (coordenador de relações institucionais)
4. Simone Rodrigues Pinto (coordenadora de redação e sistematização)
5. Daniel Barbosa Andrade de Faria
6. Eneá de Stutz e Almeida
7. Fernando Oliveira Paulino
8. Beatriz Vargas Ramos Gonçalves de Rezende
9. Cláudio Antônio de Almeida
10. Luiz Humberto Pereira Martins
11. Nielsen de Paula Pires
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