TERREMOTO POLÍTICO NA GUATEMALA


Assassínio de advogado gera crise política

Guatemala: Presidente Alvaro Colom diz que tem o coração “limpo”

13.05.2009 - 15h10 Fernando Sousa

As acusações que um advogado deixou num vídeo divulgado depois do seu assassínio desencadearam uma crise institucional na Guatemala. Nunca o país teve uma assim. O Presidente Alvaro Colom disse não ter tido nada a ver com a morte, mas a imprensa aponta o dedo ao chamado Estado Paralelo, que manda mais do que a lei.

Depois da nota divulgada, ainda a quente, pelo Governo, dizendo que ninguém a esse nível se prestara para a morte do jurista, terça-feira foi a vez do próprio chefe de Estado se demarcar do escândalo.

“Desqualificamos totalmente o vídeo. Graças a Deus tenho o meu coração limpo”, disse Colom, afirmando enfaticamente que não chefia um Executivo de "matadores" e “assassinos” e que disso tem dado mais do que provas.

Rodrigo Rosenberg Marzano foi morto no domingo. Era advogado, tinha 47 anos e andava a investigar a morte de dois constituintes que tinham descoberto mais do que deviam. Circulava de bicicleta, perto de casa, quando dois carros a grande velocidade passaram por ele e, de dentro de um, saíram sete tiros. Teve morte imediata.

Quatro dias antes fizera gravar um vídeo com as conclusões a que tinha chegado nas suas buscas. E foi esse registo que, transmitido pelos media – e depois repetido em vários portais internacionais, como o YouTube – desencadeou a polémica.

No mesmo dia em que Colom se demarcou do assassínio, afirmando, como o Governo já fizera, que pedira ajuda até ao FBI para as investigações sobre o homicídio, centenas de pessoas manifestaram-se em frente à sede da presidência, exigindo ao inquilino maior que renuncie ao cargo.

A Prémio Nobel da Paz Rigoberta Menchú exigiu, numa carta pública, que a presidência garanta a independência do trabalho dos investigadores.

O líder da oposição, Otto Pérez, pediu a Colom que deixe temporariamente o lugar para que as investigações sobre o seu presumível envolvimento no assassínio decorram com transparência.

Rosenberg não apontou o dedo só ao Presidente, acusou também a mulher, Sandra, e outros colaboradores, como o secretário privado da presidência, Gustavo Alejos, e um empresário, Gregório Valdéz, muito próximo de todos.

Mas Colom recebeu também apoios. Duas centenas de presidentes de câmara e 22 governadores solidarizaram-se com ele. E naturalmente a Unidade Nacional da Esperança, o partido que o levou ao cargo nas eleições de Novembro de 2007.

Os sites nacionais ofereceram o vídeo, ao ponto das páginas terem entrado em colapso, e as televisões transmitiram-no sem descanso, logo que apareceu na segunda-feira. O diário La Prensa Libre escreveu que ele “criou a maior crise política” de que há memória no país, por “nunca antes um Presidente eleito democraticamente ter sido acusado de assassínio”.

O El Periódico foi mais longe e destapou uma apertada teia de cumplicidades.

Tudo aponta, disse em editorial, que o assassínio de Rodrigo Rosenberg, tal como o dos seus constituintes Khalil Musa Bassila e a filha, Marjorie, tenha sido obra de “corpos ilegais” ou grupos clandestinos a mando dos serviços de informação que actuam no quadro do chamado Estado Paralelo. Este está a ser investigado pela Comissão Internacional contra a Impunidade na Guatemala, reconhecida pelas Nações Unidas e dirigida pelo espanhol Carlos Castresana.

O autor chama a essas células gusaneras, que em português significa larvário, denunciadas no passado por políticos como o ex-vice-presidente Eduardo Stein, de estarem na origem do assassínio de muitos outros funcionários da justiça e advogados.

Rodrigo Rosenberg andava há aproximadamente um mês a investigar a morte de Khalil Bassila, que fora designado membro da direcção do Banco de Desenvolvimento Rural, lugar em que se terá apercebido de várias irregularidades. O banco seria a capa, entre outras coisas, de lavagens de dinheiro e de desvios de dinheiros públicos, por exemplo para projectos de Sandra Colom. E além disso seria a fonte de financiamento de empresas de papel, de mera fachada, utilizadas pelo narcotráfico.

Alvaro Colom, que assumiu o cargo em Janeiro de 2008, é o primeiro Presidente de centro-esquerda a chegar tão alto desde Jacobo Arbenz, afastado por um golpe de Estado em 1954. Já no lugar declarou uma campanha para conter a violência dos gangs de rua que enxameia a Cidade da Guatemala e dos cartéis da droga.


NOTA DE ZANTONC

Independentemente do que venha a ser apurado (se for apurado mesmo), a situação de grande parte da América Latina é alarmante. Observamos que o vazio da luta política travada pelos movimentos de esquerda contra os governos fascistas foi preenchido pelo surgimento de uma zona penumbrosa entre o poder formal e o mundo do crime. O poder político cada vez mais revela-se enlameado com a rede formada pelo narcotráfico, pelo contrabando e pelo desvio de dinheiro público. Os governos parecem, nesse sentido, terem se tornado um consórcio de tudo aquilo que é nocivo à sociedade. Cada vez mais as máfias se apossam do aparelho estatal, com isso traficam influências e verbas, legalizam atividades ilícitas, dão cobertura a operações de fachada, manipulam os meios de comunicação, organizam-se politicamente. Os bandidos aprenderam o caminho do parlamento e conseguem com a maior cara de pau vender a imagem de modernos, competentes e progressistas a um eleitorado cada vez mais desinteressado, movido apenas pelo que vê na tv. Isso vale também para o nosso país, em que a corrupção fica impune, ao passo que aqueles que a combatem acabam no banco dos réus. Aliás, alguém se lembra em que resultou o inquérito da morte de Paulo César Farias? Ou tem informações sobre a morte de um governador do Acre assassinado em plena São Paulo? Ou do resultado do massacre de Corumbiara? OU...? Ou...?

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