Gaza, por Robert Fisk
Nada do que se vê hoje
na Palestina tem a ver com o assassinato de três adolescentes israelenses ou de
um adolescente palestino. Robert Fisk, especialista em Oriente Médio, conta a
verdadeira história de Gaza
OK, só nessa tarde, o
escore de dois dias de mortes é 40 mortos palestinos e nenhum morto israelense.
Passemos agora à história de Gaza de que ninguém falará nas próximas horas.
É terra. A questão é
terra. Os israelenses de Sderot estão recebendo tiros de rojões dos palestinos
de Gaza, e agora os palestinos estão sendo bombardeados com bombas de fósforo e
bombas de fragmentação pelos israelenses. É. Mas e como e por que, para início
de conversa, há hoje 1 milhão e meio de palestinos apertados naquela estreita
Faixa de Gaza?
As famílias deles, sim,
viveram ali, não eles, no que agora é chamado Israel. E foram expulsas – e
tiveram de fugir para salvar suas vidas – quando foi criado o estado de Israel.
E – aqui, talvez,
melhor respirar fundo antes de ler – o povo que vivia em Sederot no início de
1948 não eram israelenses, mas árabes palestinos. A vila palestina chamava-se
Huj. Nunca foram inimigos de Israel. Dois anos antes de 1948, os árabes de Huj
até deram abrigo e esconderam ali terroristas judeus do Haganah, perseguidos
pelo exército britânico. Mas quando o exército israelense voltou a Huj, dia
31/5/1948, expulsaram todos os árabes das vilas… para a Faixa de Gaza!
Tornaram-se refugiados. David Ben Gurion (primeiro primeiro-ministro de Israel)
chamou a expulsão de “ação injusta e injustificada”). Pior, impossível. Os
palestinos de Huj, hoje Sderot, nunca mais puderam voltar à terra deles.
E hoje, bem mais de 6
mil descendentes dos palestinos de Huj – atual Sderot – vivem na miséria de
Gaza, entre os “terroristas” que Israel mente que estaria caçando, e os quais
continuam a atirar contra o que foi Huj.
A história do direito
de autodefesa de Israel é a história de sempre. Hoje, foi repetida e a ouvimos
mais uma vez. E se a população de Londres estivesse sendo atacada como o povo
de Israel? Não responderia? Ora bolas, sim. Mas não há mais de um milhão de
ex-moradores de Londres expulsos de suas casas e metidos em campos de
refugiados, logo ali, numas poucas milhas quadradas cercadas, perto de
Hastings!
A última vez em que se
usou esse falso argumento foi em 2008, quando Israel invadiu Gaza e assassinou
pelo menos 1.100 palestinos (escore: 1.100 mortos palestinos, a 13 mortos
israelenses). E se Dublin fosse atacada por foguetes – perguntou então o
embaixador israelense? Mas nos anos 1970s, a cidade britânica de Crossmaglen no
norte da Irlanda estava sendo atacada por foguetes da República da Irlanda –
nem por isso a Real Força Aérea britânica pôs-se a bombardear Dublin, em
retaliação, matando mulheres e crianças irlandesas.
No Canadá em 2008,
apoiadores de Israel repetiram esse argumento fraudulento: e se o povo de
Vancouver ou Toronto ou Montreal fosse atacado com foguetes lançados dos
subúrbios de suas próprias cidades? Como se sentiriam? Não. Os canadenses nunca
expulsaram para campos de refugiados os habitantes originais dos bairros onde
hoje vivem.
Passemos então para a
Cisjordânia. Primeiro, Benjamin Netanyahu disse que não negociaria com o
‘presidente’ palestino Mahmoud Abbas, porque Abbas não representava também o
Hamás. Depois, quando Abbas formou um governo de unidade, Netanyahu disse que
não negociaria com Abbas, porque ‘unificara’ seu governo com o “terrorista”
Hamas. Agora, está dizendo que só falará com Abbas se romper com o Hamas –
quando, então, rompido, Abbas não representará o Hamas…
Enquanto isto, o grande
filósofo da esquerda israelense, Uri Avnery – 90 anos e, felizmente, cheio de
energia – ataca a mais recente obsessão de seu país: a ameaça de que o ISIS
mova-se para oeste, lá do seu ‘califado’ iraquiano-sírio, e aporte à margem
leste do rio Jordão.
“E Netanyahu disse”,
segundo Avnery, que “se não forem detidos por uma guarnição permanente de
Israel no local (no rio Jordão), logo mostrarão a cara nos portões de
Telavive”. A verdade, claro, é que a força aérea de Israel esmagaria qualquer
‘ISIS’, no momento em que começasse a cruzar a fronteira da Jordânia, vindo do
Iraque ou da Síria.
A importância da
“guarnição permanente”, contudo, é que se Israel mantém seu exército na
Jordânia (para proteger Israel contra o ISIS), um futuro estado “palestino” não
terá fronteiras e ficará como enclave dentro de Israel, cercado por território
israelense por todos os lados. “Em tudo semelhante aos bantustões
sul-africanos” – diz Avnery.
Em outras palavras:
nenhum estado “viável” da Palestina jamais existirá. Afinal, o ISIS não é a
mesma coisa que o Hamas? É claro que não é.
Mas Mark Regev,
porta-voz de Netanyahu, diz que é! Regev disse à Al Jazeera que o Hamas seria
“organização terrorista extremista não muito diferente do ISIS no Iraque, do
Hezbollah no Líbano, do Boko Haram…” Sandices. O Hezbollah é exército xiita que
está lutando dentro da Síria contra os terroristas do ISIS. E Boko Haram – a
milhares de quilômetros de Israel – não ameaça Telavive.
Vocês entenderam o
‘espírito’ da fala de Regev. Os palestinos de Gaza – e esqueçam as 6 mil
famílias palestinas cujas famílias foram expulsas pelos sionistas das terras
onde hoje está Sederot – são aliados das dezenas de milhares de islamistas que
ameaçam Maliki de Bagdá, Assad de Damasco ou o presidente Goodluck Jonathan em
Abuja.
Sim, mas… Se o ISIS
está a caminho para tomar a Cisjordânia, por que o governo sionista de Israel
continua a construir colônias ali?! Colônias ilegais, em terra árabe, para
civis israelenses… na trilha do ISIS?! Como assim?!
Nada do que se vê hoje
na Palestina tem a ver com o assassinato de três israelenses na Cisjordânia
ocupada, nem com o assassinato de um palestino na Jerusalém Oriental ocupada.
Tampouco tem algo a ver com a prisão de militantes e políticos do Hamas na
Cisjordânia. E nem o que se vê hoje na Palestina tem algo a ver com foguetes.
Tudo, ali, sempre, é disputa por terra dos árabes.
Robert Fisk, The
Independent | Tradução: DCM
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