Albernaz era conhecido por se
divertir dizendo aos presos que, por ser muito burro, precisava ouvir
respostas claras. Tinha na sala um telefone de magneto que era usado
para “falar com Fidel Castro”, metáfora para a aplicação de choques
elétricos, segundo relato de Elio Gaspari no livro “A Ditadura
Escancarada”.
“Quando venho para a Oban,
deixo o coração em casa”, explicava às vítimas. Uma delas foi o
coordenador do sequestro do embaixador americano Charles Elbrick,
Virgílio Gomes da Silva, o Jonas, primeiro preso a desaparecer após a
edição do AI-5.
O mesmo general que convocara
Albernaz para a Oban anos depois assinou relatório informando que Jonas
“evadiu-se na ocasião em que foi conduzido para indicar um aparelho da
ALN”. Trinta anos depois, O GLOBO noticiaria a existência de um
relatório em que militares admitem a morte do guerrilheiro em
decorrência de “ferimentos recebidos”.
— Albernaz era um homem
terrível, o torturador mais famoso da Oban naquela época — confirmou ao
GLOBO Carlos Araújo, ex-marido de Dilma, que foi preso alguns meses
depois dela e submetido aos mesmos procedimentos da ex-mulher.
Renegado pelo Exército e atolado em dívidas
O trabalho na Operação Oban
fez com que Benoni Albernaz caísse em desgraça na própria família.
Aposentado e dono de uma fazenda em Catalão, Goiás, o pai se chateava ao
saber do comportamento do filho:
— Ele usava o poder que tinha
para extorquir as pessoas, e o pai ficava triste. Sempre foi uma
família esquisita, muito desunida — conta a dona de casa Maria Lázara,
de 60 anos, irmã de criação do capitão.
— Olha, acho que uma vez ele
caiu do cavalo numa parada militar, antes da ditadura, e o cavalo pisou
na nuca dele. A partir daí, ele não ficou bom da cabeça — supõe a prima
Noemia da Gama Albernaz, que hoje vive em Cuiabá.
Albernaz deixou a Oban em
fevereiro de 1971, quando o aparelho já havia se transformado no
DOI-Codi. Por três vezes tentou fazer o curso de operações na selva, mas
teve a matrícula recusada. Foi transferido para o interior do Rio
Grande do Sul, passando da caça a comunistas às operações de rotina em
estradas de fronteira. O Exército tentava renegá-lo. Em março de 1974,
foi internado em Porto Alegre, vítima de envenenamento.
Albernaz tinha problemas com
dinheiro. Foi denunciado pelo menos cinco vezes por fazer dívidas com
recrutas e não pagá-los, apesar das advertências de seus superiores.
Estava lotado no setor medalhístico da Divisão de Finanças do Exército,
em Brasília, quando foi declarado inabilitado para promoções, por não
satisfazer a dois requisitos: “conceito profissional” e “conceito
moral”. Em março de 1977, o presidente Ernesto Geisel o transferiu para a
reserva.
Em um escritório no Centro de
São Paulo, passou a coagir clientes a comprar terrenos vestido com
farda falsificada de coronel — embora tivesse sido transferido para a
reserva como major — e dizendo-se integrante do SNI.
— Você é uma estrela de nossa
bandeira. Vamos investir juntos, ombro a ombro, peito aberto — dizia
aos clientes, segundo registros de reclamação levadas ao Exército,
pistas que levariam à sua condenação por falsidade ideológica.
Em 1980, intermediou
transações de ouro de baixa qualidade no Pará, vendendo como vantagem
seu acesso aos garimpos. Nunca foi responsabilizado pelo espancamento,
por encomenda, de um feirante de origem japonesa.
— Se não pagar agora, vai preso para o Dops — ameaçou, já em 1979, quando não mais pertencia ao Exército.
O agredido foi à delegacia prestar queixa e, ao saber disso, Albernaz baixou no local.
— Sou amigo íntimo do
presidente da República, foi ele quem me deu isso — falou ao delegado,
mostrando a pistola Smith & Wesson. — Na lista de torturadores, sou o
número 2.
No fim dos anos 1980,
Albernaz estava atolado em dívidas. Não conseguiu pagar a hipoteca e foi
acionado pelo menos quatro vezes em ações de execução extrajudicial.
Sofreu um infarto quando estava no apartamento da namorada, nos Jardins,
em São Paulo, em 1992. Chegou morto ao Hospital do Exército. Deixou
três filhos e herança de R$ 8,4 mil para cada, resgatados 15 anos após
sua morte, quando fizeram o inventário. Nenhum deles quis falar ao
GLOBO.
— Siga em frente com o seu
trabalho, que a gente está seguindo em frente aqui também — disse o
filho Roberto, dentista, desligando o telefone.
— Isso é coisa do passado, gostaria que não me incomodasse — completou a também dentista Márcia Albernaz.
— Esquece nossa família, vai ser melhor para você — disse Benoni Júnior, médico do Exército.
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