EUA: COMO FUNCIONA O SISTEMA OFICIAL DE ‘ASSASSINATOS SELETIVOS’
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Por Jeremy Scahill
Desde seus primeiros dias
como comandante em chefe, o presidente Barack Obama fez do drone sua arma
preferida, usada pelos militares e pela CIA para perseguir e matar as pessoas
que seu governo considerou – por meio de processos secretos, sem acusação
ou julgamento – merecedores de execução. A opinião pública tem colocado foco na
tecnologia do assassinato remoto, mas isso tem servido frequentemente para
evitar que se examine em profundidade algo muito mais crucial: o poder do
Estado sobre a vida e a morte das pessoas.
Os drones são uma
ferramenta, não uma política. A política é de assassínio. Embora todos os
presidentes norte-americanos, desde Gerald Ford, mantivessem uma norma
executiva que bania assassinatos por funcionários dos EUA, o Congresso evitou
legislar sobre esse assunto ou até definir a palavra “assassinato”. Isto
permitiu que os proponentes de guerras por meio de drones renomeassem
assassinatos [assassinations] com adjetivos mais palatáveis, como o
termo da moda, “mortes seletivas” [targeted killings].
Quando discutiu publicamente
os ataques por drones, o governo Obama ofereceu garantias de que tais operações
seriam uma alternativa mais precisa do que soldados em combate. A autorização
para executá-las seria dada apenas quando há uma ameaça “iminente” e “quase
certeza” de que se eliminará o alvo planejado. As palavras, contudo, parecem
ter sido redefinidas para não guardar quase nenhuma semelhança com seus
significados comuns.
O primeiro ataque de drone
fora de uma zona declarada de guerra foi realizado em 2002, mas só em maio de
2013 a Casa Branca divulgou padrões e
comportamentos para a condução desses ataques. Eram orientações
pouco específicas. Afirmavam que os Estados Unidos somente conduziriam um
ataque letal fora de uma “área de hostilidades ativas” se um alvo representasse
uma “ameaça iminente e contínua para pessoas dos EUA”. Nada informava sobre o
processo interno usado para determinar se um suspeito podia ser morto, sem
processo ou julgamento. A mensagem implícita do governo Obama sobre ataques de
drones tem sido: Confie, mas não verifique.
Em 15 de outubro de 2015, o
site The Intercept publicou
um conjunto de slides secretos
que abriram uma janela para os trabalhos internos das operações militares dos
EUA para assassinato/captura durante um período-chave na evolução das guerras
por drone: entre 2011 e 2013. Os documentos, que também traçam a visão interna
das forças especiais de operação sobre as deficiências e erros do programa de
drones, foram fornecidas por uma fonte de dentro da comunidade de inteligência,
que trabalhava nos tipos de operação e programas descritos nos slides.
Garantimos o anonimato da fonte porque os materiais são sigilosos e porque o
governo dos EUA está engajado numa perseguição agressiva contra quem denuncia
suas irregularidades — os whistleblowers. Iremos nos referir a essa pessoa
simplesmente como “a fonte”.
A fonte disse que decidiu
revelar os documentos porque acredita que o público tem direito de entender o
processo pelo qual as pessoas são colocadas em listas de condenados à morte e
depois assassinadas, por ordem dos mais altos escalões do governo dos EUA.
“Essa ultrajante obsessão de criar listas de vigilância, de monitorar as
pessoas e relacioná-las, atribuindo-lhes números, cartões com retratos e
sentenças de morte sem aviso, num campo de batalha que abrange o mundo inteiro,
foi errada desde o primeiro momento”.
Como o presidente autoriza
os assassinatos
Tem sido amplamente
divulgado que o presidente Obama aprova diretamente a inclusão, nas listas de
assassinato, de alvos de alta relevância. O estudo secreto ISR oferece uma nova
visão da cadeia de assassinato, incluindo um mapa detalhado, que vai da obtenção
de dados por meios eletrônicos e humanos até a mesa do presidente. No mesmo mês
em que o estudo ISR circulou, maio de 2013, Obama assinou a orientação política
sobre o uso de força em operações de contraterrorismo no exterior. Um alto
funcionário do governo, que não quis comentar sobre os documentos sigilosos,
admite que “aquelas diretrizes permanecem em vigor hoje”.
As equipes de inteligência
dos EUA coletam informações sobre alvos potenciais obtidas a partir de “listas
de observação” e do trabalho das agências de inteligência, militares e
policiais. Na época do estudo do ISR, quando alguém era colocado na lista de
mortes, analistas de inteligência criavam um retrato do suspeito e da ameaça
que aquela pessoa significava, juntando-os “num formato condensado conhecido
como baseball card [semelhante a uma figurinha de um álbum de
jogadores de futebol, numa aproximação cultural como o Brasil (Nota da
Tradução)]. As informações eram em seguida articuladas, junto com dados
operacionais, numa “ficha informativa sobre o alvo” a ser “enviada para
escalões mais altos” para ação. Na média, indica um dos slides, demorava
cinquenta e oito dias para o presidente assinalar um alvo. A partir daquele
momento, as forças norte-americanas tinham sessenta dias para executar o ataque.
Os documentos incluem dois estudos de caso que são parcialmente baseados em
informação detalhada nos baseball cards.
O sistema para criar baseball
cards e pacotes de alvos depende muito, de acordo com a fonte, de
interceptação da inteligência e de um sistema de muitas camadas de
interpretação humana sujeita a erros. “Não é um método infalível”, diz ele.
“Você se baseia no fato de que tem todas essas máquinas muito poderosas,
capazes de coletar quantidades extraordinárias de dados e informação”, que podem
levar o pessoal envolvido em definir os alvos dos assassinatos a acreditar que
tem “poderes tipo divinos”.
Assassinatos baseiam-se em
informação não-confiável e coletada de modo fragmentado
Em zonas de guerra
não-declarada, os militares dos EUA tornaram-se excessivamente confiantes nos
sinais de inteligência, ou SIGINT, para identificar e em seguida caçar e matar
as pessoas. O documento confirma que usar metadados de telefones e
computadores, assim como interceptações de comunicação, é um método inferior de
encontrar e acabar com pessoas marcadas. Eles descrevem a capacidade do SIGINT
nesses campos de batalha não convencionais como “ruins” e “limitados”. Apesar
disso, tais coletas, boa parte delas fornecidas por parceiros estrangeiros,
responderam por mais de metade das informações usadas para rastrear
assassinatos potenciais no Iêmen e na Somália.
A fonte descreveu como
membros da comunidade de operações especiais veem as pessoas que estão sendo
caçadas pelos Estados Unidos para possível morte por ataque de drone: “Eles não
têm direitos. Eles não têm dignidade. Eles não têm humanidade. Eles são apenas
um ‘seletor’ para um analista. Ao final você chega a um ponto no ciclo de vida
dos alvos em que, durante a perseguição, você sequer se refere a eles por seu
nome de verdade.” Essa prática, diz ele, contribui para “desumanizar as pessoas
antes mesmo de se colocar diante da questão moral sobre se ‘esse assassinato é
legítimo ou não?’”
Os ataques frequentemente
matam muito mais do que o alvo escolhido
A Casa Branca e o Pentágono
alardeiam que o programa para morte de alvos é preciso e o número de vítimas
civis é mínimo. Contudo, os documentos que detalham uma campanha de operações
especiais no nordeste do Afeganistão, a Operação Haymaker, mostra que, entre janeiro
de 2012 e fevereiro de 2013, os ataques aéreos das operações especiais mataram
mais de duzentas pessoas. Destas, apenas 35 eram alvos. Durante um período de
quatro meses e meio da operação, conforme os documentos, cerca de 90% das
pessoas assassinadas em ataques aéreos não eram os alvos pretendidos. No Iêmen
e na Somália, onde os Estados Unidos têm capacidade de inteligência muito mais
limitada para confirmar que as pessoas mortas são os alvos pretendidos, as
proporções podem ser muito piores.
“Qualquer pessoa que se
encontre nas proximidades é culpada por associação”, disse a fonte. “[Quando]
um ataque de drone mata mais do que uma pessoa, não há garantia de que aquelas
pessoas mereciam esse destino… é um risco enorme”
Militares rotulam as pessoas
desconhecidas que assassinam de “inimigos mortos em ação”
Os documentos mostram que os
militares designam as pessoas que matam em ataques com alvos como EKIA,
“inimigo morto em ação” (“enemy killed in action”), mesmo que elas não sejam os
alvos pretendidos no ataque. A menos que surjam evidências póstumas para provar
que homens mortos não são terroristas ou “combatentes inimigos fora da lei”,
sua designação permanece como EKIA, conforme a fonte. Esse processo, diz ele,
“é insano. Mas nós demos um jeito de nos sentir confortáveis com ele. A
comunidade de inteligência, JSOC, a CIA e todos que ajudam a apoiar e sustentar
esses programas estão confortáveis com essa ideia.” A fonte descreve afirmações
de funcionários do governo dos EUA minimizando o número de perdas infringidas
por ataques de drone como “no mínimo exageradas, se não completas mentiras”.
Nota: Gif produzido a partir
de instalação feita, em aldeia paquistanesa, pelo coletivo de artistas JR
(www.jr-art.net). Para conhecer o projeto: https://notabugsplat.com/
Outras Palavras [http://outraspalavras.net/]
11/06/2016. | Tradução: Inês Castilho.
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Jeremy Scahill. Pesquisador
e jornalista investigativo norte-americano especializado em assuntos de
segurança nacional.
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