Aos meus amigos que não vivem na Turquia

Aos meus amigos que não vivem na Turquia:
[trad. de Antonio Engelke]
Escrevo para contar a vocês o que vem acontecendo em Istambul nos últimos 5 dias. Tenho que fazer isso pessoalmente porque a maior parte da mídia foi fechada pelo governo; o boca-a-boca e a internet são as únicas maneiras que restam para nos explicarmos, pedirmos ajuda e apoio.
Há 4 dias, um grupo de pessoas que não pertencia a nenhuma organização ou ideologia específica se reuniu no Parque Gezi, em Istambul. Entre eles, muitos amigos e alunos meus. O motivo era simples: protestar contra a futura demolição do parque em função da construção de mais um shopping no coração da cidade. Há muitos shoppings em Istambul, pelo menos um em cada bairro! A derrubada das árvores estava marcada para começar no início da manhã de quinta-feira. As pessoas foram para o parque com seus cobertores, livros e filhos. Armaram suas barracas e passaram a noite embaixo das árvores. De manhã cedo, quando os tratores começaram a arrancar as centenárias árvores do chão, eles as enfrentaram, a fim de parar a operação.
Não fizeram nada além do que ficar parados na frente das máquinas.
Nenhum jornal, nenhuma televisão estava lá para cobrir o protesto. Um completo apagão da mídia.
Mas a polícia chegou com canhões de água e spray de pimenta. Perseguiram e expulsaram as pessoas do parque.
De noite, o número de protestantes multiplicou, assim como as forças policiais ao redor do parque. Enquanto isso, a prefeitura de Istambul fechou todas as vias que levam à Praça Taksim, onde o parque está localizado. O metrô foi fechado, as barcas foram canceladas, as estradas foram bloqueadas.
Ainda assim, cada vez mais pessoas foram caminhando para o centro da cidade.
Vieram de todas as partes de Istambul. Pessoas de origens, ideologias e religiões diferentes. Todos se reuniram para impedir a demolição de algo muito maior do que o parque: o direito de viver como cidadãos honrados deste país.
Elas se reuniram e marcharam. A polícia as perseguiu com spray de pimenta e gás lacrimogêneo, jogou seus tanques sobre elas, que em resposta lhes oferecia comida. Dois jovens foram atropelados por tanques e mortos. Uma outra jovem, amiga minha, foi ferida na cabeça por um projétil de gás lacrimogêneo. Estavam atirando diretamente na multidão. Depois de passar por uma cirurgia de 3 horas, ela ainda está na UTI, em estado grave. Enquanto escrevo, não sei se ela conseguirá sobreviver. Este texto é dedicado a ela.
Estas pessoas são meus amigos. São meus alunos, meus parentes. Não possuem nenhuma “agenda secreta”, como o Estado gosta de dizer. Sua agenda está lá, nas ruas. É muito clara. O governo está vendendo o país inteiro para empresas, para que construam shoppings centers, condomínios de luxo, estradas, represas e usinas nucleares. O governo está procurando (e criando, quando necessário) qualquer desculpa para atacar a Síria, contra a vontade de sua população.
Além de tudo isso, o controle do governo sobre a vida pessoal de cada um de nós ficou insuportável recentemente. Seguindo uma agenda conservadora, o estado aprovou muitas leis sobre abortos, partos de cesariana, venda e uso de álcool, e até sobre a cor dos batons usados pelas aeromoças.
As pessoas que marcham para o centro de Istambul estão exigindo seu direito de viver livremente, e de receber justiça, proteção e respeito do estado. Exigem estarem envolvidas nos processos de tomada de decisão sobre a cidade na qual vivem.
Em vez disso, receberam a violência excessiva, muitas bombas de gás lacrimogêneo lançadas diretamente em seus rostos. Três pessoas ficaram cegas.
E ainda assim, elas marcham. Centenas de milhares se juntam. Mais alguns milhares atravessaram a ponte Bosporus a pé para apoiar a multidão na Taskim.
Nenhum jornal ou rede de TV estava lá para relatar os acontecimentos. Estavam ocupados transmitindo notícias sobre a Miss Turquia e “o gato mais estranho do mundo”.
A polícia continuou nos perseguindo com tanto spray de pimenta que até cachorros e gatos vira-latas foram envenenados e morreram.
Escolas, hospitais e até hotéis 5 estrelas no entorno da praça Taskim abriram suas portas aos feridos. Médicos usaram as salas de aula e os quartos dos hotéis para prestar primeiros socorros. Alguns policiais se recusaram a lançar gás lacrimogêneo em pessoas inocentes, e pediram demissão. Foram instalados bloqueadores de sinais ao redor da praça, para impedir a conexão à internet e o uso do 3G. Moradores e comerciantes da área abriram suas redes wireless para as pessoas nas ruas. Restaurantes deram comida e água de graça.
Em Ankara e Izmir, a população também foi às ruas mostrar seu apoio à resistência em Istambul.
A grande mídia continuou exibindo a Miss Turquia e o “gato mais estranho do mundo”.
*   *   *
Escrevo esta carta para que vocês saibam o que está acontecendo em Istambul. A mídia de massa não vai te mostrar nada disso. Não em meu país, pelo menos. Por favor, publiquem tantos artigos na internet quanto for possível, e ajude a espalhar a mensagem.
Ontem a noite, enquanto eu postava no Facebook artigos que explicavam o que está acontecendo em Istambul, alguém me perguntou o seguinte: “O que você espera conseguir, reclamando do nosso país para estrangeiros?”
Este blog é a minha resposta.
Ao “reclamar” sobre o meu país, espero obter:
Liberdade de expressão.
Respeito aos Direitos Humanos.
Controle sobre as decisões que tomo sobre o meu corpo.
O direito de me reunir com pessoas em qualquer parte da cidade sem ser considerada uma terrorista.
Mas, acima de tudo, ao disseminar esta mensagem para vocês, amigos que vivem em outras partes do mundo, espero fazer com que vocês saibam o que se passa aqui, e que possam nos apoiar e ajudar.
Por favor, espalhem a notícia, compartilhem este blog.
Obrigado!
Sumandef
Para maiores informações sobre o que você pode fazer para ajudar, por favor visite a Anistia Internacional.
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