Caros Amigos revela existência de grupos de extermínio em cada batalhão da PM de São Paulomínio"
Por Tatiana Merlino
Primeiro, identificam-se os "bilões" de cada batalhão, que, na gíria
da Polícia Militar (PM), são os policiais mais violentos. Depois, eles
são chamados para integrar os "caixas-dois", como são conhecidos os
grupos de extermínio de cada batalhão. Para o "trabalho", geralmente
usam viaturas da Rota e da Força Tática – ou Forjas Trágicas, como são
apelidadas. O caixa-dois é formado por três integrantes, sendo um deles
escoltado até um local seguro, onde tira a farda, coloca uma roupa civil
e usa uma moto ou um carro para orientar ou executar os assassinatos.
Geralmente, atuam em sua área de circunscrição de trabalho.
Quando o serviço acaba, chega uma viatura, encarregada de recolher as
cápsulas e pedir para o pessoal do comércio lavar o local. O importante
é adulterar a cena do crime. Em seguida, coloca-se a vítima no carro,
e, mesmo que esteja morta, ela é levada ao hospital. Quando necessário,
usam o "kit vela" ou "kit flagrante": uma porção de entorpecente e uma
arma fria colocada na mão do cadáver, para justificar o homicídio. Às
vezes, também deixam um celular junto à vítima.
"O caixa-dois funciona quando não dá para fritar na resistência
[justificar o assassinato como decorrência de suposto confronto com a
PM]", explica um policial civil, que investigou grupos de extermínio
formados por policiais militares. "A maior parte deles participa do
negócio, mesmo quem não mata. É até uma questão de subordinação
hierárquica ao comando."
Na maioria dos casos de extermínio, seja na capital, litoral ou
interior, o modus operandi das ações é praticamente o mesmo. Atiradores
em carros de cores escuras, vestindo toucas ninja e roupas pretas, e
manejando, na maioria das vezes, armas de calibres 9mm, .380 ou .40.
PUNIÇÃO A regra do batalhão é: o PM se negou a torturar, a matar? Vai
para o PAO: Pelotão de Apoio Operacional, espécie de punição dada pelo
comando de alguns batalhões da PM paulista a policiais que se negam a
participar de ilegalidades e abusos, como torturas, matanças e grupos de
extermínio. O castigo consiste em fazer ronda do lado de fora do
batalhão, ficar 12 horas de pé, incomunicável com os outros membros da
tropa e sem poder comer, urinar ou evacuar. Os que ousarem se
solidarizar com os castigados são punidos da mesma maneira.
O major de um dos batalhões onde o PAO é aplicado intimida sua tropa
batendo no peito e gritando: “Eu sou Highlander, vocês me respeitem!”.
Highlander é um grupo de extermínio chamado dessa maneira, porque corta
as cabeças e mãos das vítimas. O major incentiva a matança de “ladrões” e
dispensa do trabalho quem matar mais. Manda para o PAO quem não quiser
entrar para o “caixa-dois”.
Essas graves acusações são feitas pelo policial civil, citado
anteriormente, e por um sargento da Polícia Militar – ambos não
compactuaram com ilegalidades cometidas por membros de suas corporações.
O primeiro conversou com a Caros Amigos na condição de sigilo de
identidade, sob alegação de estar sendo perseguido e ter sofrido ameaças
e duas tentativas de homicídio, após ter apresentado relatórios de
investigação sobre grupos de extermínio.
A denúncia sobre o PAO também foi levada ao Conselho de Defesa da
Pessoa Humana (Condepe), que vem sendo procurado por policiais civis e
militares que não estão de acordo com torturas, assassinatos e
desaparecimentos que vêm acontecendo em São Paulo. “Primeiro vieram
investigadores da polícia civil, depois da PM – soldado, sargento,
tenente e até capitão –, e, por fim, delegados de polícia. Todos deram
um quadro que, para nós, é muito grave. São pessoas que ficam na
seguinte situação: ‘ou eu entro para a bandidagem ou sou punido’”,
relata Ivan Seixas, presidente da instituição. Segundo ele, tais
funcionários públicos estão sofrendo ameaças de morte, de punição e
processos administrativos e disciplinares. As denúncias que o policial
passou à reportagem da Caros Amigos também foram encaminhadas a órgãos
públicos fiscalizadores da lei.
HIGIENE SOCIAL
De acordo com o policial civil, os grupos de extermínio funcionam
“numa égide de controle e higienização social, para prestigiar o comando
e o governo, para abaixar índices de criminalidade”, explica. “Assim,
os vagabundos sabem que, se roubarem naquela determinada cercania, vão
para o saco, morrem. Isso provoca um êxodo, o cara migra”. Segundo ele,
ao ajudar a baixar as estatísticas de violência nas suas regiões de
trabalho, os policiais recebem proteção do comando, sendo favorecidos
por melhores escalas, bicos, armamentos, viaturas e outros equipamentos
táticos.
Um dos grupos de extermínio que atuava dessa maneira, os Highlanders,
era formado por policiais da Força Tática do 37º Batalhão, na Zona Sul
de São Paulo. Eles atuavam no bairro do Jardim Ângela, matando as
vítimas e jogando os corpos decapitados em Itapecerica da Serra, na
Grande São Paulo. Aproveitando a situação, os policiais dos grupos de
extermínio também cometeriam crimes para matar seus desafetos.
Paralelamente a isso, também matam por encomenda, “modalidade” de
assassinatos chamada de “firma”. “É quando parte do ideal funcional vai
para o ideal capitalista”. Tal modalidade estaria, assim, diretamente
relacionada com os casos de corrupção. “A corrupção e a mortandade são
institucionalizadas”. O policial civil relata, ainda, que existe um
acordo entre policiais e criminosos sobre a divisão de caixas
eletrônicos. Na firma, também entram disputas por caça-níqueis, loterias
clandestinas e bingos.
Leia a reportagem completa na edição 186 de Caros Amigos nas bancas ou na loja virtual .
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