Jornalista revela ter sido torturado por militar que delata torturador

Cid Benjamin desmente coronel Avólio
Cid Benjamin desmente coronel Avólio
O jornalista e escritor Cid Benjamin, militante político do MR-8 durante a luta armada, disse hoje em sua página na rede social Facebook que foi torturado pelo então tenente Armando Avólio Filho que hoje, em reportagem de O Globo diz jamais ter torturado e acusa um outro militar, Antônio Fernando Hughes de Carvalho, de ter torturado o deputado Rubens Paiva. Paiva é um dos desaparecidos vítima de tortura e morte nos porões da ditadura. Saiba mais.




Leia a manifestação de Cid Benjamin:

Cid Benjamin

O jornal "O Globo" de hoje traz uma matéria sobre depoimento prestado pelo coronel Armando Avólio Filho ao Ministério Público Federal. Nele, Avólio acusa outros militares de terem torturado presos políticos, admite que presenciou torturas no DOI-Codi, mas afirma que ele próprio nunca torturou alguém.
É mentira.
Avólio me torturou em abril de 1970. E não só a mim. Dezenas de outros presos foram, também, torturados por ele.
Em 1995, Avólio era adido militar brasileiro na Grã-Bretanha e foi denunciado pelo grupo Tortura Nunca Mais. Ele se dizia inocente. Na ocasião, eu trabalhava no "Globo" e me ofereci para redigir um artigo, na primeira pessoa, atestando que Avólio me torturara. 
A sugestão foi aceita e o texto foi publicado na edição de 26/5/95. 
Avólio foi, então, exonerado e passado para a reserva remunerada.
Reproduzo o artigo abaixo.


"Um dos mais cruéis torturadores"

Cid Benjamin 

Alto, forte, quase sempre de óculos escuros e camisetas justas, que realçavam seus bíceps musculosos, o tenente Avólio não se preocupava em disfarçar a extrema vaidade. Até seu codinome, suspeito, a denunciava: Apolo, o deus grego da beleza. Mas Avólio tinha outra característica: era um dos mais cruéis torturadores do DOI-Codi no início dos anos 70.

Eu o conheci na mesma noite em que fui preso, a 21 de abril de 1970. Como estava ferido na cabeça por dezenas de coronhadas e perdia muito sangue, chegou a ser aventada a hipótese de me levarem primeiro para o Hospital Central do Exército. Mas, como de praxe, venceram os "duros" e fui direto para o DOI-Codi. O tenente-médico Amílcar Lobo foi chamado e, lá pelas tantas, as torturas foram suspensas para que eu levasse 15 pontos na cabeça. A frio, naturalmente. Mas, para quem estava no pau-de-arara, levando choques elétricos em todo o corpo, não deixou de ser um alívio. Foi aí que percebi, pela primeira vez, a existência de Avólio. Revoltado com o fato de um médico estar me atendendo, ele dizia que eu deveria "morrer como um porco, sangrando". Para tal, assegurava, bastava que me pendurassem de cabeça para baixo.

Cid: época da tortura: abril de 70

Cid: época da tortura: abril de 70



Mais tarde, já de madrugada, numa pausa das torturas, Avólio me algemou os pulsos numa madeira rente ao chão e quebrou meia dúzia de vassouras nas minhas costas, enquanto nos xingávamos mutuamente. Estava inteiramente fora de si. Eu, apesar de tudo, não podia deixar de festejar sua histeria. Enquanto ele descarregava seu ódio, eu não estava pendurado, levando choques ou sendo afogado. Não deixava de ser um lucro.

Livro de memórias de Cid
Livro de memórias de Cid  



Nos dias seguintes, Avólio se destacou pelo ódio que me dedicava e que não fazia questão de esconder. Um de seus passatempos prediletos era amarrar fios em meu corpo e ligar suas extremidades na tomada. Enquanto eu, nu e amarrado, rolava pelo chão ou corcoveava no pau-de-arara, ele fazia galhofas:

- Deve estar faltando energia, porque ele não acende.

O então tenente e hoje coronel Avólio não foi o único militar que se dedicou a torturar presos políticos. Ao contrário, aquela engrenagem produziu uma infinidade de avólios. Eles são responsáveis por assassinatos e por traumas em, talvez, milhares de pessoas que até hoje estão marcadas pela tortura. Mas, apesar disso, não lhes tenho ódio pessoal. E se, aqui, lembro esses fatos é porque quanto mais o país conhecer o que se passou naquele período, mais anticorpos estaremos criando na sociedade para que eles não se repitam. É isso - e só isso - o que me fez prestar este depoimento.


Agentes queimaram carro de Rubens Paiva
Agentes queimaram carro de Rubens Paiva  
Leia agora a reportagem publicada no Globo de hoje (27/02) em que Avólio diz não ter torturado e acusa Fernando Hughes de envolvimento no Caso Rubens Paiva:

Em depoimento à Comissão Nacional da Verdade (CNV), o coronel da reserva Armando Avólio Filho, ex-integrante do Pelotão de Investigações Criminais da Polícia do Exército (PIC-PE), revelou ter visto, por uma porta entreaberta, em janeiro de 1971, um tenente identificado como Antônio Fernando Hughes de Carvalho torturando um preso político. Carvalho pulava sobre o corpo do preso. A cena aconteceu na carceragem do Destacamento de Operações de Informações do 1º Exército, na Rua Barão de Mesquita, Tijuca (DOI-I). Tempos depois, ao tomar conhecimento do desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva, associou-o à vítima torturada por Hughes, pois as características físicas seriam semelhantes - homem descrito como branco e gordo.

Paiva foi preso em casa, no Leblon, dia 20 de janeiro de 1971, por uma equipe do Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (Cisa), e desde então é considerado desaparecido. A data, segundo o depoimento, coincide com a cena do espancamento. Avólio, que também era tenente, disse que, logo após testemunhá-la, chamou seu chefe imediato, o então major Ronald José Baptista de Leão, e levou o caso ao comandante do DOI, o também major José Antônio Nogueira Belham, e ao comandante da PE, coronel Ney Fernandes Antunes. Em carta à Comissão, Leão confirmou o episódio. No início deste ano, Leão faleceu.
Hughes, também já falecido, era um oficial egresso do Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR). Foi descrito no depoimento de Avólio como um "militar loiro". Documentos obtidos no banco de dados digital do projeto Brasil Nunca Mais confirmam que Hughes participava de ações da repressão contra a esquerda armada atuando em parceria com militares do Cisa.
Por conta desse envolvimento, ele ganhou em 1971 a Medalha do Pacificador, distinção dada a militares posteriormente acusados de tortura.
O depoimento de Avólio foi tomado, no ano passado, pelo ex-procurador geral da República Cláudio Fontelles, então membro da comissão. Fontelles também ouviu o general reformado José Antônio Nogueira Belham, que afirmou estar de férias no período de prisão e desaparecimento de Paiva, sendo substituído pelo major Francisco Demiurgo Santos Cardoso. Porém, um documento que o próprio general apresentou à CNV informa que, em determinados dias de janeiro de 1971, ele teve as férias suspensas para o cumprimento de missão especial, pela qual chegou a receber diárias.
Na época, Paiva era acusado de manter correspondência com exilados políticos. A mulher, Eunice, e a filha, Eliana, de 15 anos, também foram presas. A jovem foi libertada no dia seguinte, mas Eunice ficou 15 dias presa.

Resultados

A Comissão Nacional da Verdade (CNV) apresenta nesta quinta-feira no auditório do Arquivo Nacional, no Rio, novo relatório preliminar de pesquisa sobre o caso do ex-deputado Rubens Paiva.
É a primeira vez em que um militar ligado à repressão aponta um colega envolvido na provável morte de Paiva. Até então, a presença de Paiva nas masmorras do DOI fora reconhecida pelo ex-tenente médico Amilcar Lobo (já falecido).
Em depoimentos dados na época em que foi denunciado pela ex-presa política Inês Etienne Romeu, considerada a única sobrevivente da Casa da Morte de Petrópolis, Lobo disse que deu assistência a um "desaparecido político", a quem viu "moribundo, uma equimose só e roxo da raiz dos cabelos às pontas dos pés", numa cela do DOI da Rua Barão de Mesquita, na Tijuca.
Em depoimento recente à Comissão Estadual da Verdade e ao Ministério Público Federal, que também investigam o caso, o então major Raimundo Ronaldo Campos admitiu ter montado, por ordens superiores, uma farsa para forjar a fuga de Paiva. Com a ajuda dos irmãos e ex-sargentos Jacy e Jurandyr Ochsendorf, ele atirou na lataria de um Fusca e o incendiou no Alto da Boa Vista, no Rio.
A montagem se destinava a sustentar a versão oficial de que, ao ser levado por militares, o ex-deputado teria sido sequestrado por terroristas.

Documento relata prisão

Rubens Paiva: cassado durante a ditadura militar
Rubens Paiva: cassado durante a ditadura militar  


Campos disse saber que se tratava de uma operação para justificar o desaparecimento de um prisioneiro. Revelou também ter informações de que ele já estava morto.
Além dos depoimentos, documentos arrecadados na casa do ex-coronel Júlio Molinas Dias, assassinado em 2012 durante um assalto, comprovaram que Paiva, depois de preso pela Aeronáutica, foi levado para o DOI.
Molinas, que comandou o DOI em 1981, guardava uma folha de ofício preenchida em máquina de escrever, na qual o Exército relata a prisão de Paiva. Intitulado Turma de Recebimento, o documento contém o nome completo do político (Rubens Beyrodt Paiva), de onde ele foi trazido (o QG-3), a equipe que o trouxe (o CISAer, Centro de Inteligência da Aeronáutica), a data (20 de janeiro de 1971), seguido de uma relação de papéis, pertences pessoais e valores do ex-deputado. Consta também uma assinatura, possivelmente de Paiva, que era acusado de manter correspondência com exilados políticos.
Procurado pelo GLOBO, o coronel da reserva Armando Avólio preferiu não falar.

FONTE: Conexão Jornalismo

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